O poder público se aproveitou da situação para retirar uma parcela da sociedade que não era bem quista em Sousas?
A maneira como as famílias do Beco Mokarzel e Beco II foram retiradas de suas casas merece uma reflexão. Trata-se apenas de uma atitude para preservar a vida destas e garantir a integridade de uma Área de Preservação Ambiental ou há interesses maiores por trás disto?
O secretário de Cooperação em Assuntos de Segurança Pública, Carlos Henrique Pinto, em sua visita ao Beco no dia 21 de janeiro, disse que a Prefeitura trabalha para manter as famílias em Sousas. Para ele, não há nenhum processo de Higienização Social em andamento: “Eu acho que não existe mais em Campinas esta cultura arcaica de que pobre não pode ficar perto de rico”.

André Von Zuben, secretário de Habitação, tem a mesma opinião: “Qualquer ideologização, falar em Higienização Social, não tem nada a ver. O que está ocorrendo é uma busca pela preservação da vida”. Von Zuben concorda que, com o auxílio-moradia que receberão, os moradores do Beco Mokarzel dificilmente encontrarão lugar para viver em Sousas: “Aqui é uma área muito cara, mas não tem como a Prefeitura interferir”.
O advogado Luis César Barão, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, também não acredita em processo de Higienização Social: “É arriscado dizer uma coisa assim. Estas pessoas têm que sair de lá para não perderem a vida, mas temos que lutar pela preservação do direito à moradia”. A OAB indicou um defensor público para orientar e acompanhar os moradores do Beco Mokarzel.
Para o subprefeito de Sousas, Lucrécio Raimundo da Silva, a retirada das famílias é imprescindível: “Já tinha uma ordem judicial. Há 30 anos a chuva era mais maneirada. E se estourar uma barragem e pegar todo mundo dormindo? É a promotoria quem está mandando, a Prefeitura só está cumprindo”.
O professor, Dr. Bastiaan Philip Reydon, do Instituto de Economia da Unicamp, acredita que o grande problema está na incapacidade do Estado em coibir as ocupações em áreas de risco. Outro grande problema, segundo o professor, são os loteamentos clandestinos: “Quase sempre tem alguém que ganha dinheiro com ocupação ilegal. Alguém vende para os pobres e fala que vai ser regularizado”.
Em artigo acadêmico, intitulado: “Classes trabalhadoras de Sousas em Campinas (SP): História e Cultura do Habitar” (2008), a professora da PUC Campinas, Drª. Doraci Alves Lopes, analisa a formação histórica dos trabalhadores da favela do Beco e de Sousas por meio de entrevistas com os moradores mais idosos, cujas famílias ocupam o local há mais de 40 anos. Mostra ainda que nem só de preocupação ambiental vive o distrito e a região:
Trata-se, portanto, de uma região de grandes disputas de interesses econômicos privados, inclusive com propostas recentes em 2006, de revisão da lei para redução da Área de Proteção Ambiental (APA) por parte da própria Secretaria Municipal de Planejamento, que expôs as ideias de mudanças em 30 de julho do mesmo ano, na subprefeitura de Joaquim Egídio.
Para Doraci, trata-se sim de uma Higienização social: “Estava tudo pronto para a construção das casas no terreno do Cândido. Planta pronta, aprovada e regularizada pela COHAB Campinas. Aí começaram a aparecer ações na justiça”.
Ela ressalta que outro problema é a falta de uma associação de moradores do Beco Mokarzel e que a cada despejo o poder público desorganiza a estrutura familiar, social e cultural dos indivíduos: “Todas as pesquisas sobre despejos coletivos forçados no país demonstram uma tendência de volta ao local de origem após o período de chuvas”.
Segundo a professora, o Brasil é premiado na ONU pelo avanço democrático em remoções de área de risco e em urbanização de favelas. Não por acaso a Relatora Especial para o Direito à Moradia na ONU é brasileira, a urbanista Raquel Rolnik. O Estatuto da Cidade, há 10 anos em vigor, aponta uma série de instrumentos legais que são pouco utilizados pelas Prefeituras. A remoção do Beco para o projeto habitacional da COHAB, com a concordância dos moradores, seria para garantir a lei e a permanência em seus locais de origem: “Nós lutamos por isto e há inúmeras experiências bem sucedidas, inclusive nesta cidade”, explica a Drª Doraci Alves Costa.
Izalene Tiene, ex-prefeita de Campinas, concorda com Doraci e também acredita que falta uma unidade aos moradores do Beco: “Os moradores do Mokarzel são fragilizados de organização. Para eles continuarem em Sousas é necessário eles se mobilizarem. Como eles vão refazer a vida no Campo Grande, se passaram a vida inteira em Sousas?”.