Mudanças societárias beneficiaram acionistas específicos, blindaram o Voiter e retiraram do Master um contrato bilionário de consignados antes da intervenção do Banco Central
Três meses antes de decretar a liquidação extrajudicial do Banco Master, o Banco Central autorizou uma reestruturação societária que reduziu o tamanho do grupo e transferiu parte relevante dos ativos para empresas ligadas a um dos sócios do conglomerado, em meio às negociações do socorro tentado pelo Banco de Brasilia (BRB) e ao avanço das investigações da operação Compliance Zero.
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A autorização formal foi concedida em 11 de agosto e sacramentou a saída do acionista Augusto Lima, que detinha cerca de 30% do Master e mantinha relações com grupos políticos da Bahia. A reorganização já havia sido aprovada internamente em junho, mas só se tornou efetiva após o aval do Banco Central.

O movimento ocorreu no mesmo período em que o BRB insistia para obter sinal verde ao plano de resgate do Master, contando com o apoio de líderes do União Brasil e do PP. Com a reestruturação, Lima deixou o capital do banco levando um dos ativos mais lucrativos do grupo: o contrato de exclusividade sobre 30% da margem consignável dos servidores públicos da Bahia, válido até 2033.
A transferência incluiu ainda o Voiter — instituição que alterou seu nome para Pleno em julho — e que, graças à cisão, acabou preservada da intervenção que atingiu o Master. Pouco depois, tanto Lima quanto Daniel Vorcaro e outros executivos do conglomerado foram presos na operação Compliance Zero, que apura um esquema estimado em R$ 12 bilhões envolvendo carteiras de crédito consignado repassadas ao BRB.
Outro sócio com participação idêntica, Maurício Quadrado, não conseguiu semelhante blindagem. Embora os acionistas tenham discutido uma saída que lhe entregaria o controle do Letsbank e outras unidades, a negociação não foi concluída a tempo e Quadrado permaneceu vinculado à estrutura atingida pela liquidação. Todos os administradores tiveram bens bloqueados para garantir ressarcimento a credores.
Com quase R$ 10 bilhões em CDBs no mercado, o espólio do Master ainda poderá ser vendido, mas o produto da operação será integralmente destinado à cobertura das obrigações. Entre as empresas ligadas ao grupo, o Will Bank — um dos braços voltados para crédito popular — adotava política agressiva de captação, com remunerações que chegavam a 160% do CDI e promoções pontuais de até 230% do CDI em ações publicitárias, medidas que chamaram atenção de influenciadores digitais e contribuíram para o rápido crescimento da base de clientes.
A liquidação do Master encerra meses de desgaste regulatório e expõe a complexidade da reorganização prévia, que fragmentou o grupo e redistribuiu ativos antes que o Banco Central interviesse formalmente. Se quiser, preparo uma retranca investigativa sobre o impacto dessa reestruturação no fluxo de credores e nas responsabilidades dos ex-administradores.
Possíveis negligências do Banco Central (BC)
- Falha na regulação e supervisão preventiva
- O BC afirmou que decretou a liquidação por “grave crise de liquidez” e “graves violações” das normas pelo Master.
- No entanto, críticos dizem que sinais de risco já eram visíveis há tempo: captação agressiva (CDBs com taxas muito altas) e concentração de ativos de elevado risco (precatórios, recebíveis) teriam indicado uma estrutura instável.
- O Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a determinar que o BC se manifeste sobre possível inércia após alertas, o que sugere que há investigação sobre omissão.
- Normas regulatórias questionáveis
- Há acusação de que uma resolução do BC (de 2023) poderia ter criado brecha para o Master não contabilizar adequadamente riscos ligados a precatórios e outros ativos de crédito problemáticos.
- O diretor de regulação do BC contestou essa versão, afirmando que “não existe brecha” e que a norma visava “estancar” riscos em vez de liberá-los.
- Mesmo com essa defesa, o debate mostra que a autoridade monetária pode não ter ajustado seus controles de forma suficientemente contundente para detectar risco sistêmico ou estrutural.
- Aprovação de reestruturações questionáveis
- Conforme apurado, o BC permitiu reestruturações societárias no Master que retiraram sócios e permitiram que partes do banco (com ativos valiosos) fossem desmembradas ou protegidas antes da liquidação.
- Isso pode levantar dúvidas sobre se o BC, ao regular essas mudanças, reforçou uma estrutura que acabou protegendo determinados acionistas em vez de prevenir riscos maiores.
- Subestimação do risco para o sistema
- O BC afirmou que a liquidação não traz risco sistêmico, justificando que o conglomerado Master representava uma parcela pequena do sistema financeiro (0,57% dos ativos do SFN, segundo o BC).
- Especialistas, entretanto, questionam essa análise. Se o BC subestimou os riscos ou confiou demais nas garantias como o FGC (Fundo Garantidor de Créditos), isso pode ter sido uma avaliação equivocada — especialmente diante da gravidade das “violações” apontadas no Master.
- Resposta tardia ou insuficiente
- Apesar dos alertas, a decisão final do BC por liquidação só ocorreu depois que a crise já parecia bem avançada. Alguns analistas dizem que o BC demorou para agir de forma mais contundente (intervenção/ação resolutiva) e usou instrumentos menos drásticos até a situação piorar.
- Quando finalmente agiu, o BC aplicou um regime especial (RAET) antes da liquidação para apurar responsabilidades e proteger depositantes.
- A lentidão ou hesitação pode ter permitido que mais danos se acumulassem.




