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quinta-feira, dezembro 25, 2025
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Uma ‘usina’ de biomassas

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A professora Katia Tannous, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ), orienta um grupo de pesquisadores que avaliam tipos de biomassa disponíveis no Brasil como fontes alternativas para geração de energia. Foi com este objetivo que o físico Francisco Otávio Miranda Farias, professor do Centro de Estudos Superiores de Parintins, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), abordou em sua tese de mestrado seis biomassas de diferentes regiões do país: a casca de arroz do Sul, o bagaço de cana do Sudeste, a fibra de coco do Nordeste, a madeira caixeta do Centro-Oeste e do Norte, o ouriço de castanha do Brasil e a madeira jequitibá rosa.

Segundo Katia Tannous, que orientou a pesquisa, as seis biomassas mostraram grande potencial para fins de aproveitamento energético, mas ela pondera que a geração de energia é o processo final de uma planta química. “Para garantir alta eficiência no processo, é preciso que a biomassa esteja em condições apropriadas. Existe um nível de complexidade nos estudos, por conta de questões tecnológicas envolvendo a transformação das biomassas em energia, seja elétrica ou como combustível sólido, líquido ou gasoso. O grande desafio é o conhecimento fundamental da matéria-prima com que iremos trabalhar”.

A pesquisadora explica que este processo químico começa com o resgate da matéria-prima no meio ambiente (cadastramento das biomassas), passando ao pré-tratamento (moagem e separação) e depois à etapa físico-química (secagem). “No caso das madeiras, por exemplo, não vamos derrubar árvores e sim recuperar resíduos produzidos em indústrias moveleiras ou mesmo podas de árvores no meio urbano. A serragem, o pó mais fino gerado na fabricação de móveis, é um grande contaminante do meio ambiente que podemos aproveitar transformando-a em um granulado maior, como os chamados peletes. No momento, nosso interesse é a obtenção de uma madeira triturada para que consigamos caracterizá-la dentro das técnicas disponíveis no laboratório.”

A casca de arroz e o bagaço de cana, por outro lado, advêm de processamento agroindustrial, ao passo que a casca do coco verde é simplesmente descartada depois de consumida sua água (albúmen líquido), o mesmo acontecendo com o ouriço da castanha do Brasil depois de extraídas as sementes. “A casca do coco verde é um resíduo bastante poluidor. No entanto, devido à alta resistência, sua fibra já vem sendo utilizada em parte no estofamento de veículos e na manufatura de colchões – destino mais nobre do que apenas queimá-la. É o que também buscamos com estas caracterizações, mapeando as biomassas para outras finalidades”, observa Katia Tannous.

Para se projetar um conversor químico – como um combustor ou gaseificador – é importantíssimo que o material a ser utilizado tenha padronizações. O trabalho de Francisco Farias foi de grande abrangência ao envolver as caracterizações física, química e térmica das seis biomassas, bem como de escoabilidade – parâmetro importante para transporte (escoamento de sólidos) – e de estocagem em silos. “O interesse dele, que vive na região amazônica, é o fornecimento de energia elétrica a um custo compatível para as comunidades ribeirinhas. A estimativa é de que 1,5 milhão de brasileiros ainda não possuem energia elétrica em casa”, diz a orientadora da tese.

Passos no laboratório

Em seu laboratório na FEQ, a docente apresenta amostras de outras biomassas, como de eucalipto proveniente de reflorestamento no Sudeste e de ouriço da sapucaia (castanha da região Norte), que vêm sendo estudadas por outros alunos de graduação e de mestrado, dando continuidade ao trabalho de Farias e aprofundando as particularidades de cada etapa deste grande projeto. “A primeira etapa é a recepção da matéria-prima, que é trazida de outra região ou gerada na própria planta industrial, a exemplo do bagaço de cana. Em geral, as biomassas são estocadas em pilhas no próprio pátio e armazenadas em silos após o pré-tratamento mecânico (quando for o caso). Um problema é que, depois de moído, o material ganha novas propriedades físicas, como na sua forma, ou especificamente com a madeira, na largura, comprimento e espessura. A questão é como deslocar facilmente esse novo material até o processo de conversão.”

Por isso, observa Katia Tannous, o próprio processo de estocagem já representa um desafio, visto que o silo é somente um reservatório, necessitando de instrumentos auxiliares para o transporte do material. “A idéia, então, é caracterizar a matéria-prima para que ela tenha a propriedade de se deslocar por si só (como por gravidade), até a próxima etapa do processo. Estudamos vários parâmetros e metodologias a fim de determinar o ângulo de repouso (escorregamento) da biomassa, onde ele será aplicado na confecção da base cônica do silo. As técnicas diferem e é importante diagnosticar quais resultados podem ser aplicados para cada biomassa.”

Da estocagem e transporte passa-se à unidade de secagem, pois é sabido que o poder calorífico da biomassa é dependente do teor de umidade. O processo de secagem pode ser feito através da tecnologia de leito fluidizado, onde o material particulado entra em contato com um gás quente que elimina a umidade existente na amostra. A mesma tecnologia é muito utilizada nas indústrias de petróleo, farmacêutica e de minério, por sua alta eficiência. “As biomassas são consideradas difíceis de suspender e por isso, em muitos casos, usa-se um material inerte, como areia, para auxiliar na sua movimentação e tornar mais eficiente o processo”, explica a docente da FEQ.

Ela informa, a título de ilustração, que a madeira do jequitibá rosa e a casca de arroz não se sustentam dentro do reator, necessitando de um suporte para se movimentar e promover uma troca térmica eficiente. “Se processarmos apenas a casca, criam-se canais preferenciais e o material fica estacionado. Há biomassas mais complicadas de manusear, por causa de uma estrutura química mais complexa, como é o caso da casca de arroz, que possui alto teor de cinzas (15%) e se solidifica em temperatura elevada.”

Katia Tannous acrescenta que leitos fluidizados permitem a obtenção das condições ótimas de operação, mediante o controle das vazões de ar, pressão e temperatura do sistema. Agora, quando se fala em mistura entre materiais distintos, sem condições de operação controláveis nos geradores, a separação entre a biomassa e o inerte é inevitável – situação geralmente desfavorável para obtenção do material energético. “Cada material apresenta uma particularidade e temos que fazer trabalhos experimentais, já que a literatura não nos traz estas informações. Também queremos evitar o arraste de materiais poluentes para o meio ambiente de onde já foram resgatados.”

Planta térmica

A professora da FEQ anuncia que o próximo passo em laboratório será a montagem do que chama de planta térmica, exatamente para gerar energia com estas biomassas que estão devidamente caracterizadas. “São todas biomassas com grande potencialidade, tanto que Francisco Farias dará continuidade à pesquisa no doutorado, procurando fechar a cadeia de produção. Ele deve usar estas e outras matérias-primas que já estamos resgatando na região Norte. Uma das possibilidades é o ouriço da sapucaia, que largam no ambiente depois de retirar a castanha, quando não o queimam em fornos justamente para secar o fruto. A ideia é evitar o deslocamento de materiais, fazendo com que as próprias comunidades montem uma pequena unidade de geração de energia elétrica em suas regiões.”

Segundo a pesquisadora, devido ao curto tempo para a realização de um mestrado e à diversidade e amplitude do tema, outros alunos de graduação e pós-graduação estão complementando e inovando os trabalhos já iniciados. “A tese de doutorado de Vadson Bastos do Carmo, por exemplo, discutirá a questão custo-benefício na utilização de um conjunto de biomassas para geração de energia durante a entressafra nas usinas de cana-de-açúcar. É preciso um volume muito grande de matéria-prima para gerar a mesma quantidade de energia elétrica vinda de uma fonte não renovável.”

Katia Tannous considera que seu grupo está cada vez mais estimulado a estudar novas fontes renováveis, por acreditar que está contribuindo para a melhoria do meio ambiente e o desenvolvimento do país. “Sabemos que, a curto e médio período de tempo, precisaremos de alternativas para ter uma cadeia energética equilibrada.”

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