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sexta-feira, setembro 20, 2024

Cidades neurotizam

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Pedro J. Bondaczuk

A vida, nas grandes metrópoles, somente é suportável para quem tenha nascido nelas e sido condicionado a habitar encaixotado, a se espremer em inseguros e sacolejantes ônibus para ir ao trabalho, a enfrentar desgastantes engarrafamentos de trânsito, enfim, a passar por todas as torturas que constituem o cotidiano do homem urbano.
Quem não contar com esse condicionamento, ficará à margem das pequenas coisas ao seu redor, que na aparência são insignificantes, mas que na verdade são as que importam para que alguém seja feliz. A felicidade, afinal de contas, não é nunca contínua. É constituída de momentos especiais, de instantes mágicos, imortalizados na lembrança. Se possuísse continuidade, em pouco tempo viraria rotina. Provocaria o tédio. Não seria, pois, felicidade.
Há alguns anos, pesquisa sobre saúde mental, feita pelo Ministério da Saúde, mediante entrevistas com 6.382 pessoas de São Paulo, Brasília e Porto Alegre, revelou que de 16% a 18% dos brasileiros das grandes cidades eram neuróticos.
Esses dados, inclusive, não diferiam muito dos de Nova York, Londres, Paris, Moscou, Pequim e outras megalópolis quaisquer. E nem diferem de estudos mais recentes a esse respeito. Nessas selvas de cimento e asfalto, o indivíduo que não seja natural delas perde suas raízes culturais, seu referencial, seus valores enquanto ser pensante.
Sequer consegue se concentrar em seus objetivos pessoais mais profundos, para correr atrás da fortuna, da posição social, do poder e de algo muito vago que se convencionou de chamar de “sucesso”, cujas definições do que seja varia de pessoa para pessoa.
Nada disso, todavia, tem valor, se passado pelo crivo de qualquer análise, por mais superficial que ela seja. Riqueza, ninguém possui de fato, já que tudo o que temos, no terreno material, é nosso transitoriamente, ou seja, enquanto estivermos vivos. Ao morrermos, será do primeiro que se apossar desses bens (legal ou ilegalmente).
Posição social ostenta-se enquanto se for útil ao sistema e, portanto dócil, aos que de fato estejam no comando. Poder, por sua vez, é como o escritor Gabriel Garcia Márquez sempre afirmou: “um peixe escorregadio”, que escapa por entre os dedos.
Quanto à notoriedade, a melhor definição foi dada pelo físico alemão Albert Einstein, que constatou: “A fama é, para os homens, como os cabelos – cresce depois da morte, quando já lhe é de pouca serventia”. Diria, quando não serve para absolutamente nada.
O habitante das grandes cidades age como descrito no poema da professora Maria Sodero Cardoso, inserido no livro “Primeira Matéria”: “As ruas/do meu lugar/apenas me/ensinaram/a não/ter onde ir”. E não é o que ocorre? Claro que sim!
Nossa maior obrigação na vida, ao contrário do que se pensa e se apregoa, não é com a família, com a sociedade, com a pátria ou com qualquer instituição. É conosco mesmo! É a de sermos felizes. Afinal, como constatou o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Oliver Wendell Holmes: “estamos sentenciados à pena de morte pelo delito de viver”.

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