No Brasil, os Acidentes de Transporte Terrestre (ATT) ocupam a segunda posição entre as mortes por causas externas, sendo ultrapassados apenas pelos homicídios. Com relação às mortes causadas pelo trânsito, o país apresentou, em 2006, valores em números absolutos muito elevados de óbitos por acidente de transporte terrestre. Foram 35.155 óbitos causados por ATT.
Esses óbitos foram concentrados no seguinte perfil: homens (82%), adultos jovens (de 20 a 59 anos), residentes nos municípios de pequeno porte populacional. O risco de morte é mais acentuado para atropelamentos, entre idosos; para ocupantes de veículos, no grupo de 20 a 59 anos; e para motociclistas, no grupo de 20 a 29 anos. “Uma explicação para isso é a maior exposição do homem no trânsito”, exemplifica Marta Silva, técnica da Coordenação de Doenças e Agravos Não-Transmissíveis/Departamento de Análise da Situação de Saúde (CGDANT/Dasis).
As regiões Centro-Oeste e Sul apresentam os maiores riscos de morte por ATT, quando se avalia todos os acidentes. A região Centro-Oeste registra também o maior risco de morte para acidentes envolvendo motociclista e ocupante de veículo. O maior risco de morte por atropelamento é na região Norte. Santa Catarina, Mato Grosso e Paraná foram os estados que apresentaram as maiores taxas por ATT.
PEQUENOS MUNICÍPIOS – O risco de morte por ATT reduz a partir de 1998, ano de implantação do Código de Trânsito Brasileiro, contudo voltou a aumentar após 2000. Entre 2005 e 2006 ocorreu ligeira redução. Destaque para o crescente aumento do risco de morte por acidentes com motociclistas em todas as regiões. Em quase toda a década de 1990, a taxa por ATT era mais acentuada nos municípios de 100 mil e mais habitantes. Nos últimos anos, a taxa por ATT é menor nos municípios de grande porte, com valores bem semelhantes nos municípios com até 500 mil habitantes.
Uma hipótese para isso ocorrer é uma explosão demográfica cuja estrutura não acompanhou esse crescimento. As cidades cresceram e a infra-estrutura das vias não acompanhou o desenvolvimento. Mantiveram-se as ruas estreitas, a pouca fiscalização. “Em contrapartida, além de ter mais malha viária, as grandes cidades têm também mais carros e o fluxo é mais lento. Há muitos acidentes e batidas, mas como há grandes engarrafamentos, na maioria das ocorrências, não há vítimas sérias”, explica Marta.
Nas regiões metropolitanas havia risco de morte mais elevado nesses municípios até o ano de 1998, a partir daí há uma inversão com os municípios que não fazem parte das regiões metropolitanas assumindo os maiores riscos principalmente às custas da elevação das taxas de ocupantes de veículos e de motocicletas.
Análise espacial da mortalidade causada pelo trânsito mostra, para cada região do país, onde se localizam os aglomerados de maior risco de morte e mostra também o mapa com a distribuição espacial da taxa de motorização para cada uma das regiões. Essa análise possibilita identificar áreas geográficas críticas em cada estado que devem ser priorizadas nas intervenções de melhoria na segurança no trânsito.
Lidera a lista de óbitos por ATT o atropelamento de pedestres (27,9%). Na avaliação da taxa específica de idade, observa-se maior freqüência entre as crianças e os idosos acima de 60 anos, com taxa de 15,7 por 100 mil – quase o dobro do que ocorre na faixa de 40 a 59 anos (8,3 por 100 mil).
Em segundo lugar estão os ocupantes de automóveis (21%) e em terceiro estão os acidentes envolvendo motociclistas (19,8%) – categoria que vem crescendo a cada ano.
MOTOCICLETAS – A partir de 1998, os municípios que não fazem parte das regiões metropolitanas passaram a assumir os maiores riscos de morte causada pelo trânsito, principalmente, por conta da elevação das taxas de ocupantes de veículos e de motocicletas. Os óbitos de motociclistas saltaram de 300 em 1990 para quase 7 mil em 2006. Os maiores riscos de morte foram nas faixas etárias de 15 a 39 anos, nos municípios de porte populacional menor que 100 mil habitantes e entre as regiões estão a Sul, a Centro-Oeste e a Nordeste, as que apresentaram mais riscos.
O aumento no número da frota de motocicletas devido a fatores como facilidade na aquisição e surgimento de novas profissões como a de motociclistas profissionais são os motivos que respondem pelo aumento no número de acidentes envolvendo motociclistas. “Hoje em dia se adquire uma moto com muita facilidade. Por trás disso, há uma precarização do trabalho e o desemprego que geraram novas profissões, como os motoboys e motos-frete. Somado a isso, há uma ausência do estado na implementação do transporte coletivo, que poderia ser resolutivo, humanizado e efetivo”, observa Marta.
INTERNAÇÕES – Em 2006, foram realizadas 11.721.412 internações nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, sendo 822.412 (7%) por causas externas. Dessas, 123.100 (15%) foram devido a ATT. Dos pacientes hospitalizados por ATT, 94.400 (76,7%) eram homens e 28.700 (23,3%) eram mulheres. Esses eventos foram concentrados na região Sudeste e em municípios das regiões metropolitanas.
O gasto total dessas internações foi de R$ 117.947.085,46, com tendência de aumento comparado aos últimos anos. Os municípios com maior população concentram a maior parte das internações. Entre os municípios de capitais estão São Luís, Porto Alegre, Fortaleza, Boa Vista e Goiânia. Pedestres e ocupantes de motos foram os tipos de vítimas de acidentes mais freqüentes nas internações. As internações hospitalares devido a lesões causadas pelo trânsito no Brasil, no ano de 2006, representam 15% do total de internações por causas externas. As vítimas de lesões do trânsito são principalmente homens. Os pedestres e ocupantes de motos foram os tipos de vítimas de acidentes mais freqüentes nas internações hospitalares.
As maiores taxas de internação por ATT foram apresentadas pelos estados do Ceará e Maranhão. No primeiro os acidentes são principalmente por acidentes com pedestres e motociclistas. No Maranhão as vítimas foram essencialmente pedestres. Os ciclistas correm maior risco na Paraíba e Mato Grosso do Sul.
Taxa padronizada de internação por ATT por 100 mil habitantes nas regiões e estados segundo meio de transporte da vítima.
O valor total gasto com as internações foi cerca de R$ 118 milhões no ano de 2006 com tendência de aumento do gasto nos últimos anos. O valor gasto com as internações por ATT para cada 100 habitantes no Brasil vem aumentando ao longo dos anos, passando de R$ 46,2 em 2002, para R$ 63,1 em 2006.
AÇÕES – Em sintonia com Código de Trânsito Brasileiro (1998), o Ministério da Saúde vem definindo desde então, ações para enfrentar e minimizar não apenas a alta mortalidade, mas também as lesões e seqüelas físicas e psicológicas dos ATT.
A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, de 2001 (com vários eixos de intervenção, como melhorar o sistema de informação e monitoramento, capacitar e treinar; promoção de ações de prevenção; mudança de hábitos e comportamentos saudáveis; ensino e pesquisa) e a Política Nacional de Promoção da Saúde, de 2006, foram responsáveis por gerar várias estratégias de prevenção de violências e acidentes, dentro das quais pode-se destacar o projeto de Redução da Morbimortalidade por Acidente de Trânsito – Mobilizando a Sociedade e Promovendo a Saúde; a Agenda Nacional de Vigilância, Prevenção e Controle de Acidentes e Violências; e a Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas (Viva). A implantação da Rede Nacional de Núcleos de Prevenção de Violências e Promoção da Saúde (2004) também é uma das estratégias para execução dessas políticas.
“Nos acidentes de trânsito, não é justo responsabilizar somente o indivíduo. Há fatores de risco preponderantes, como alta velocidade, falta de uso de equipamentos de segurança, uso de álcool pelos condutores. Mas há também má qualidade das vias públicas e sinalização inadequada, aumento da frota, principalmente de motocicletas, por exemplo”, diz Otaliba Libânio, diretor do Departamento de Análise de Situação de Saúde (DASIS).
URGÊNCIAS – Com a implantação do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) em 2006, foi possível traçar um perfil das violências e acidentes nos serviços de urgências e emergências em um conjunto de municípios selecionados que abrange os 27 estados. Para o conjunto dos municípios, 90% dos 46.531 atendimentos foram devido a acidentes e apenas 10% a violências. A maioria das vítimas caracteriza-se por serem homens, negros, com baixa escolaridade.
Para os acidentes, o principal motivo foram as quedas, seguido pelos acidentes de trânsito. Nas crianças e idosos as quedas foram bem freqüentes e ocorrem geralmente na residência. Enquanto, nos adultos jovens foram mais acentuados os acidentes de transporte, especialmente envolvendo motociclistas. A maior parte dos pedestres foi atropelada por automóveis.
Para as violências, o principal motivo de atendimento na urgência foram as agressões e, em segundo lugar, as tentativas de suicídio. Os homens são as maiores vítimas de agressões e as mulheres foram as maiores vítimas de maus tratos e tentativas de suicídio. O principal tipo de agressão é a agressão física, seguido pela agressão por armas branca e de fogo estão. A maior proporção de vítimas de acidentes de trânsito foram os condutores de veículos, passageiros e pedestres. Nos ocupantes de veículos, 50% foram de vítimas ocupantes de motocicletas.