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quinta-feira, novembro 21, 2024

Três etapas da lavagem de dinheiro

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Em 1986, no contexto da “guerra contra a droga”, os Estados Unidos tornaram-se o primeiro país a criminalizar a lavagem de dinheiro. Se o lucro é a motivação dos traficantes de drogas, é preciso, para pôr fim ao flagelo, impedir que o crime possa obtê-lo. Além disso, seguir os fluxos financeiros deve permitir chegar às provas do crime. Cada uma das etapas da lavagem – a colocação (a injeção das receitas financeiras no sistema bancário), a camuflagem (as tranferências múltiplas e movimentos de fundos visando mascarar suas origens), e a integração (a introdução das somas já “limpas” nos circuitos finaceiros e em atividades econômicas respeitáveis) – são em si legais, mas combiná-las para dissimular as somas provenientes de atividades ilícitas constitui um delito.
A lavagem foi classificada como o “crime dos anos 1990”. Nos Estados Unidos, nessa época, uma sucessão de leis endureceu as penas e aumentou seu perímetro de aplicação. As somas provenientes de quase 200 atividades ilícitas (tráfico de drogas, extorsão, roubo, prostituição, tráfico de órgãos, atos terroristas, etc.) estão sujeitas a elas hoje em dia. A última década do século viveu a internacionalização do regime anti-lavagem de dinheiro, principalmente através do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro (GAFI), criado em 1989 com o objetivo de reforçar através do mundo a luta contra o dinheiro sujo.
Esta proliferação de leis e de organismos de controle acabou por provocar a oposição dos organismos financeiros. O arsenal anti-lavagem viu-se logo criticado pela sua ineficácia, pois, de um lado, o tráfico de droga tem aumentado constantemente e, de outro, as somas resgatadas parecem despreszíveis: em 2001, o primeiro secretário do Tesouro do governo Bush, Paul O’Neill, queixou-se de ter despendido 700 milhões de dólares por ano durante quinze anos, tendo apenas um resgate obtido pelas autoridades. Tornou-se possível prender os pequenos delinqüentes sem nenhum tipo de processo, mas os grandes traficantes continuam fora de alcance. A amplitude de seus ganhos confere a eles vários poderes, inclusive os de contornar as regras e de contratar os serviços dos melhores advogados. Como explicou há alguns anos o juíz espanhol Baltasar Garzón, os magistrados estão para os grandes criminosos assim como os mamutes para os leopardos: “Quando o mamute chega na toca do leopardo, ele já está bem longe, dando risada. [5]”
As duas atitudes de George Bush
Em 1998, os atentados contra as embaixadas norte-americanas em Nairobi e em Dar es-Salaam dão um novo impulso à luta contra o dinheiro sujo. Repete-se então que Osama Bin Laden teria um “tesouro de guerra” de 300 milhões de dólares, dos quais toda uma literatura e numerosos experts pretendem revelar os “segredos”. Na verdade, a fortuna de Bin Laden havia sido confiscada duas vezes, em 1994 pela Arábia Saudita e em 1996 pelo Sudão [6]. O financiamento do terrorismo se efetuaria na verdade a partir de um levantemento de fundos permanente ao seio das redes islamitas [7].
No final dos anos 90, o governo Clinton tenta, sem sucesso, introduzir regras conhecidas pelo nome de know your customer (KYC), que impõem aos bancos – já obrigados a declarar às autoridades competentes todas as transações suspeitas ou inabituais – uma fiscalização ainda maior de seus clientes. O presidente inicia ainda, conjuntamente com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma ofensiva destinada a atentar contra os paraísos fiscais.
Tão logo foi eleito, o presidente George W. Bush sabota esta iniciativa e anuncia que o regime anti-lavagem será atenuado. Alguns meses mais tarde, os atentados de 11 de setembro provocam uma virada de 180 graus. Com o ardor dos novos convertidos, os mesmos que deveriam comandar o desmantelamento dos controles financeiros tornam-se seus principais fiadores. E é neste mesmo terreno que a “guerra contra o terror” começa em 24 de setembro de 2001, quando o presidente Bush anuncia “um golpe contra as bases financeiras da rede planetária do terror”. Bush e seus principais colaboradores explicam então que o dinheiro serve de “oxigênio” ao terrorismo, o qual não pode existir sem uma considerável “infraestrutura financeira” [8]. Todo um capítulo da lei anti-terrorista “USA Patriot Act” foi consagrado ao tema da lavagem de dinheiro. E durante uma reunião extraordinária em Washington, o GAFI, que até então teria sido ignorado pelo governo norte-americano, vê-se oficilamente encarregado de ouvir suas prerrogativas na luta contra o financiamento do terrorismo.
Terror movimenta migalhas financeiras
Assim, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo tornam-se intercambiáveis. Uma sigla comum – AML/CFT (“anti-money laundering / combating the financing of terrorism”) – logo adotada pelos organismos internacionais, sela esta união. A diferença entre os dois fenômenos é, no entanto, fundamental. Um é de natureza espúria e compromete somas consideráveis que precisam ser inseridas no sistema financeiro legal; o outro é de natureza política, compromente montantes insignificantes e se concretiza, na maioria dos casos e principalmente depois do 11 de setembro, fora dos circuitos financeiros. O financiamento do terrorismo está mais para “enlameamento” de dinheiro limpo, uma vez que em geral de trata de desviar pequenas somas, indetectáveis pelas técnicas anti-lavagem, para fins violentos [9]. Nenhum dos atentados depois de 11 de setembro custou mais de 20 mil dólares. Os atentados de Londres, em 7 de julho de 2005, custaram menos de 1 mil dólares [10]. Seu “finaciador” foi um dos kamikases, que custeou o atentado com seu salário de professor. No Iraque, mais da metade das mortes de norte-americanos vítimas de atentados foram atribuídas a bombas artesanais denominadas pelos engenheiros de “explosivos improvisados” (EID).
O terreno finaceiro, tão vasto quanto obscuro, apresenta no entanto vantagens políticas. Pouco depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o presidente Bush concluiu que, ao contrário de uma ofensiva militar no Afeganistão, que necessitaria de algumas semanas de preparação, o congelamento das contas poderia ser efetuado sem demora [11]. Apresentaria ainda a vantagem de “resultados em números”. O presidente deu então ordem de “resgatar alguns ativos, e rápido”. David Aufhauser, alto funcionário do departamento do Tesouro, contaria mais tarde: “Era quase cômico. Nós havíamos preparado uma lista do máximo de “suspeitos de sempre” possíveis e dito: ’Vamos tomar alguns de seus bens’ [12].” Tais ações tornaram-se moeda corrente. Sem surpresa, elas tiveram pouco efeito sobre a ameaça terrorista [13]. Presas fáceis, mas freqüentemente inocentes, são visadas, tais como o grupo somaliano Al-Barakaat. O primeiro balanço, feito logo depois dos “cem primeiros dias” da “guerra contra o terrorismo” dão tom, que não mudou depois. Ele anunciava: “A América e seus aliados ganham a guerra financeira”: “o fato de impedir que os terroristas tenham acesso a fundos constitui um sucesso bastante real da guerra contra o terrorismo [14].”
A prioridade atribuída a este último objetivo desencadeou um desvio de competências. Os que conhecem as engrenagens da finança internacional e fazem a caça aos barões da droga na América Latina foram encarregados de seguir o terrorismo islâmico, deixando portas abertas à grande delinqüência financeira.

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