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terça-feira, novembro 12, 2024

O relato daqueles que vieram de longe

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“Esta é uma história simples, da vida de um homem simples, homem que veio de longe, de uma terra onde não canta o sabiá na palmeira e nem medra o ingazeiro na beira do rio; de uma terra onde o inverno é branco, na alvura da neve sobre a planície…um menino veio da Itália – muda tenra saída do viveiro; criou fundas raízes no solo brasílio e aqui deitou seus ramos e frutificou” (José Sevá, “Eles vieram de longe”)

A chegada dos europeus à América, em fins do século XV e começo do XVI, e a subseqüente ocupação e colonização das potências marítimas européias despertaram a curiosidade dos habitantes do “Velho Mundo” acerca do novo e exótico território encontrado. Inúmeros relatos foram escritos por portugueses, espanhóis e holandeses sobre a natureza exuberante, o clima agradável e os povoados inusitados. O choque entre costumes, valores e tradições diferentes dificultou ainda mais a comunicação e compreensão entre populações tão divergentes. A carta de Pero Vaz de Caminha não fora, certamente, a única tentativa de explicar à população européia o que existia naquelas terras tão longínquas. A preocupação, neste momento, referia-se à exploração das riquezas naturais, em busca dos metais preciosos (ouro e prata), e a descoberta de um novo caminho que levasse às Índias.

Após três séculos, o território que pertencera às extensões coloniais do Império Português tornou-se independente, mas não deixara de ser menos atrativo aos europeus. Com o fim do tráfico negreiro e as paulatinas leis restritivas da escravidão, surgiu o discurso da falta de mão-de-obra para as lavouras e a necessidade de “branquear” o país, por meio da “transfusão” do sangue superior (do europeu branco civilizado). Na verdade, não havia falta de braços para a lavoura; além do preconceito racial, os fazendeiros queriam que houvesse um excedente na mão-de-obra para que pudessem explorar o trabalho do empregado por meio de baixos salários. Neste momento, alguns países europeus, como as recém-unificadas Alemanha e Itália, passavam por uma crise econômica, em função de secas que atrapalharam as colheitas e aumentaram o número de desempregados. Ademais, a emigração resolveria o problema do excedente populacional destes países.

Para incentivar a vinda “espontânea” dos imigrantes, o governo de São Paulo subsidiava a passagem dos imigrantes e, por sua vez, o governo italiano contratava viajantes para relatar as condições e características dos territórios que receberiam seus habitantes. Campinas, conhecida como a “Princesa d’Oeste”, em função de sua reconhecida importância agrícola de cultivo do café, recebeu um considerável número de imigrantes e, por isso, também se tornou uma parada obrigatória para tais viajantes. O italiano Vittorio Buccelli foi um dos vários encarregados de relatar ao governo italiano aspectos locais, como história, posição geográfica, população, clima, salubridade, vias de comunicação e transporte, organização política e administrativa, instrução pública, economia (exportação, importação, agricultura, comércio e indústria), movimento marítimo, lazer, jornais diários, imigração e colonização, núcleos coloniais, personalidades importantes e autoridades diplomática e consular.

Em 1912, o viajante italiano publicou o “Libro D’Oro Dello Stato Di S. Paolo”, em que analisou a capital e as principais cidades nos aspectos acima relatados. Campinas também foi citada, como uma cidade de extraordinário progresso e uma das mais civilizadas do “rico” e “próspero” Estado de São Paulo. O autor também fez referências ao nosso “Arraial de Souza” (sic), cuja população estava em torno de 3000 habitantes, e à Fazenda Bom Retiro, de propriedade da Baronesa Izalethe Augusta de Souza Aranha, filha do Barão de Itapura. A partir da segunda metade do século XX, encontramos um outro tipo de relato: as memórias dos descendentes daqueles que vieram de longe. Na década de 1960, o romance autobiográfico de José Sevá constitui um exemplo. Em “Eles Vieram de Longe”, Sevá relata a saga da vinda e estabelecimento de uma família de imigrantes italianos para a fazenda São Luciano, em Joaquim Egídio. O trecho citado, no início do artigo, demonstra o destaque dado, na memória do descendente, à natureza exuberante e peculiar, assim como a comparação entre o que se encontrava no novo país e o que se deixava na antiga pátria. O relato daqueles que vieram de longe, contudo, imprime não só a beleza natural, mas também a forma como foram tratados pela sociedade hospitaleira, explicitando na nostalgia a dor do partir e o incômodo da adaptação. O livro citado possui um exemplar à disposição para consulta e empréstimo na Biblioteca Distrital Guilherme de Almeida, em Sousas.

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