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sexta-feira, novembro 22, 2024

O tema da 26ª Bienal de São Paulo foi escolhido de modo a permitir que uma pletora de posições artís

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O conceito do Território Livre tem várias dimensões: a físico-geográfica, a político-social e, por fim, a estética, que evidentemente nos interessa mais no contexto da exposição.
Na estética, o território livre começa onde o mundo convencional termina. Designa aquele espaço no qual a realidade e a imaginação estão em conflito. Os artistas são os guardiões das fronteiras de um reino situado além da sociedade administrada, em paragens não mais alcançadas pelo poder interpretativo das instâncias política e econômica. Ao passo que todos brigam incessantemente em torno da pergunta sobre o quê pertence a quem, a arte define as relações de propriedade a sua maneira. No domínio da estética tudo é de todos.
Mais uma vez, na 26. Bienal de São Paulo, 55 países de todos os continentes aceitaram o convite de trazer para o Brasil o que há de melhor e mais relevante em sua produção atual. A maioria dos artistas criou novos trabalhos após estudo detalhado do edifício e da cidade. Em São Paulo há uma interação espacial entre os 56 artistas das “representações nacionais” e os 80 artistas diretamente convidados pela Bienal. Com a participação de 135 artistas, a Bienal de São Paulo é, hoje como ontem, uma das maiores exposições em termos internacionais. Em 2002, a 25ª Bienal recebeu 670.000 visitantes e foi a exposição de arte contemporânea mais visitada no mundo. De novo uma ampla ação educativa propiciará, de forma sistemática, a toda uma geração de estudantes o convívio com a arte contemporânea. Entre eles muito são oriundos dos subúrbios mais pobres de São Paulo.
A Bienal fala, como sempre, muitos idiomas – e, na perspectiva da gramática, em dois números. Fala no plural, pois os países indicaram seus próprios curadores, que apresentam uma enorme diversidade de posições artísticas do mundo inteiro; e fala no singular, pois o curador da Bienal também tem a oportunidade de apresentar a sua visão da arte do mundo. Tradicionais em São Paulo e reservadas a artistas especialmente destacados, as chamadas “Salas Especiais” foram mantidas. Haverá ainda, por ocasião das comemorações dos 450 anos de São Paulo, uma sala especial em homenagem a Cândido Portinari, cujo centenário ainda se celebra.
O Brasil, como de costume, exibe a maior parte dos artistas: e como os demais países, também é representado por um artista no segmento da “representação nacional”. Outros 19 brasileiros foram integrados à lista dos 80 artistas convidados de todo o mundo. Cada terço deles coube a São Paulo, ao Rio de Janeiro e ao restante do país.
Ao lado de uma intensificação do diálogo Norte-Sul, a Bienal de São Paulo também estabeleceu como objetivo reforçar os nexos entre as culturas não-européias, por meio de um diálogo entre os países do Hemisfério Sul. Ela está predestinada a cumprir esse papel, por operar a partir de uma das maiores e mais pluriculturais cidades do planeta, onde se mesclam elementos europeus, africanos, indígenas e asiáticos em combinações fecundas.
O próprio prédio da Bienal, ícone cosmopolita da arquitetura moderna, feito de concreto armado, aço e vidro, e simultaneamente encarnação da herança industrial da cidade, insere cada obra de arte em um contexto de modernidade, oferecendo na sua extensão de quatro campos de futebol os melhores pré-requisitos para a apresentação e recepção de arte contemporânea. Provavelmente ele é um dos mais belos dentre todos os prédios de bienais do mundo, inclusive por causa do seu vão de aérea leveza e da sua rampa de elegância barroca, que corta os três pavimentos em espirais irresistíveis.
Por isso na 26 ª Bienal de São Paulo especial atenção foi dada à distribuição espacial. Levaram-se em conta critérios conceituais, estéticos e técnicos. O ponto de partida de todas as considerações foi a arquitetura do prédio, que sugere um agrupamento espacial de suportes. O espaçoso pavimento térreo, com um pé-direito de mais de sete metros e uma visão geral para o Parque do Ibirapuera, presta-se particularmente bem a um parque de esculturas com obras tridimensionais de grande porte. A primeira metade do segundo andar, em virtude da luz favorável que ali predomina, incidindo do leste e do oeste mas também difusamente de cima e de baixo, oferece as condições ideais para um salão de pintura. A outra metade desse andar médio, mais escura, foi como que criada para um multíplex de videoinstalações, um planetário onde o observador pode afundar no cosmos das imagens digitalmente geradas.
Essa divisão facilita não apenas a orientação do público mas também a formação de uma massa crítica em cada grupo de suportes. Surgem, então, no edifício centros de gravitação distintos, com suas respectivas e específicas “temperaturas” estéticas. Crescendos e diminuendos se revezam.
A fotografia, que permite relações diretas e indiretas com a pintura, a escultura e o vídeo, acaba formando um elo central entre as três outras técnicas e estende-se como uma corrente ou um fio vermelho pela exposição inteira.
Somente as artes dispõem de um estoque universal de signos e arquétipos, cujo intercâmbio mobiliza a memória coletiva da humanidade. Se o artista é, portanto, um contrabandista de imagens, a Bienal pode vir a ser um entreposto no reino da estética, onde a curiosidade, casada com o prazer da conquista, basta como documento de identidade, onde os sentidos despertos são aceitos como bilhete de entrada e onde se comercializam bens preciosos, mas sem cobrança de direitos alfandegários.

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