A identificação da Causa da Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP) Irá Acelerar o Desenvolvimento de Tratamentos para a FOP e Doenças Ósseas Comuns
Pesquisadores na Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia localizaram a “chave do esqueleto”, um gene que, quando danificado, faz com que os músculos esqueléticos do corpo e os tecidos conectivos passem por uma metamorfose e se transformem em osso, travando progressivamente as articulações e tornando os movimentos impossíveis. A identificação do gene que causa a fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP), uma das doenças genéticas mais raras e incapacitantes que afeta o ser humano e que aprisiona na infância suas vítimas em um “segundo esqueleto”, tem sido o foco das pesquisas no Centro de Pesquisas em FOP e Doenças Relacionadas na Universidade da Pensilvânia nos últimos 15 anos. Esta importante descoberta é relevante, não apenas para os pacientes com FOP, mas também para aqueles que sofrem de doenças esqueléticas mais comuns.
Os principais autores deste trabalho, Eileen M. Shore, PhD, e Frederick S. Kaplan, MD, ambos do Departamento de Cirurgia Ortopédica da Universidade da Pensilvânia, e seu consórcio internacional de colegas, relatam suas descobertas na edição avançada online de 23 de Abril da revista Nature Genetics. “A descoberta do gene da FOP é relevante para todas as doenças que afetam a formação óssea e todas as doenças que afetam a formação do esqueleto”, diz Kaplan.
A descoberta do gene da FOP foi o resultado de um trabalho exaustivo por parte dos cientistas da Universidade da Pensilvânia e de seus colegas do Consórcio Internacional de Pesquisas em FOP durante vários anos. Este trabalho envolveu a identificação e o exame clínico de famílias multigeracionais, freqüentemente em regiões remotas do mundo; a análise ampla do genoma; identificação de genes candidatos; e finalmente o sequenciamento do DNA e a análise dos genes candidatos. O time descobriu que a FOP é causada pela mutação de um gene de um receptor chamado ACVR1 no caminho de sinalização da proteína osteomorfogênica.
Kaplan descreve a FOP como o “Monte Everest” das doenças genéticas do esqueleto. Sua ambição, como ele mesmo diz “é conquistar o pico desta montanha desafiadora e ver este conhecimento emergente ser transformado em novas terapias que podem melhorar de forma dramática a vida destas crianças. Esta é nada mais que uma campanha para a independência física e liberdade pessoal destas crianças. Se o conhecimento nos ajudar a ver mais longe para ajudar outras pessoas, será maravilhoso, mas este trabalho é dedicado às crianças e a respeito delas.”
Um em Dois Milhões
A FOP é uma das mais raras doenças conhecidas pela medicina, encontrada apenas em um a cada dois milhões de indivíduos, mas, como diz Kaplan, usando as palavras de William Harvey descobridor da circulação do sangue, “Não há lugar em que a Natureza esteja mais acostumada a mostrar abertamente seus mistérios secretos do que em situações incomuns em que ela mostra traços do seu trabalho.” De um total estimado de 2500 pacientes FOP em todo o mundo, existem aproximadamente 600 pacientes conhecidos, e o grupo de pesquisas em FOP na Universidade da Pensilvânia conhece quase todos eles. Kaplan diz, “Eles são nossas crianças, nossa família”.
Ainda na infância, devido a um possível curto-circuito molecular no sistema de reparo de danos de seus corpos, tendões, ligamentos e músculos esqueléticos iniciam uma transformação inexorável em uma armadura de ossos, aprisionando suas vítimas infantis em um segundo esqueleto. “O osso que se forma na FOP é perfeitamente normal em todos os sentidos, a menos pelo fato de estar em um lugar onde não deveria estar,” diz Kaplan. “Não existe nenhum outro exemplo conhecido de um órgão que se transforme em outro. É como se uma fábrica estivesse fabricando ossos desenfreadamente.”
Crianças com FOP parecem normais ao nascimento, a não ser pela típica má formação dos dedos grandes dos pés. Na tenra infância, inchaços dolorosos (freqüentemente confundidos com tumores), acometem os músculos esqueléticos e os transformam em ossos. Comumente, fitas, folhas e placas de osso atravessam as articulações, fixando-as em uma determinada posição e tornando os movimentos impossíveis. As tentativas de remover os ossos a mais que se formam acarretam uma explosiva formação de novos ossos. Até mesmo leves traumatismos, como batidas, imunizações da infância e injeções para tratamentos odontológicos podem causar a transformação dos músculos em ossos.
Atualmente, não há nenhuma prevenção ou tratamento efetivo para a sabotagem molecular que ocorre na FOP. A descoberta do gene que causa a FOP e sua característica mutação nos fornecem um alvo altamente específico para o futuro desenvolvimento de medicamentos que tenham a promessa de alterar não apenas os sintomas da doença , mas a própria doença.
O time da Universidade da Pensilvânia trabalha em antigas descobertas
A equipe da Universidade da Pensilvânia originalmente acreditava que a FOP era causada por uma mutação de um gene no caminho sinalizador das proteínas osteomorfogênicas (BMP), um dos caminhos sinalizadores mais conservados na natureza. As BMPs são proteínas regulatórias envolvidas na formação embrionária e no reparo do esqueleto após o nascimento.
Certamente, o gene da FOP codifica um receptor de BMP chamado de Activin Receptor tipo IA, ou ACVR1, um dos três receptores de BMP tipo 1 conhecidos. Os receptores de BMP são “proteínas-interruptores” que ativam ou desligam e que ajudam a determinar o destino das células tronco, a forma como irão se expressar. A proteína ACVR1 é composta de 509 aminoácidos, e em todos os pacientes com FOP o aminoácido histidina é substituído pela arginina na posição 206.
A FOP é a primeira doença genética atribuída ao ACVR1. “Nossa identificação do ACVR1 como um regulador critico da formação óssea endocondral durante a embriogênese e nos tecidos pós-natais irá indubitavelmente redirecionar o pensamento e estimular novas direções de pesquisa,” diz Shore. “Esta descoberta terá um grande impacto no estudo da biologia molecular e da medicina regenerativa”.
“Esta simples substituição de um aminoácido modifica a sensibilidade e a atividade do receptor,” continua Shore. “Como na maioria dos genes, cada célula tem duas cópias do gene ACVR1. Nos pacientes com FOP, apenas uma das cópias do gene ACVR1 apresenta a mutação que faz com que a proteína ACVR1 seja produzida de forma incorreta.”
Na FOP, o gene ACVR1 está danificado pela substituição de uma única letra genética em uma localização especifica no gene. Esta simples substituição do nucleotídeo muda o significado da mensagem genética decodificada pelo gene ACVR1. “Além disso, a substituição de uma letra genética por outra em meio a seis bilhões de letras genéticas no genoma humano – a menor e mais precisa alteração imaginável – é como um terrorista molecular causando um curto-circuito em um grupo funcionante de músculos e tecidos conectivos e os transformando em um segundo esqueleto – em essência transformando uma lâmpada em uma bomba atômica,” diz Kaplan.
ACVR1 é um importante “interruptor” na sinalização das BMP existente nas células de cartilagem das placas de crescimento dos ossos em crescimento, especialmente nas mãos e pés, bem como nas células dos músculos esqueléticos. Em estudos anteriores feitos em galinhas e no peixe zebra, outros pesquisadores descobriram que uma cópia artificial modificada do gene ACVR1 (similar, mas não idêntica à mutação genética da FOP) faz com que as células musculares se comportem como células ósseas, regulando de forma aumentada a expressão da BMP4; e diminuindo a expressão dos antagonistas da BMP (como noggin); expandindo os elementos de cartilagem em ossos em crescimento, levando comumente à formação de ossos extra; e simulando a fusão articular – características clinicas e moleculares quase idênticas às vistas nas pessoas com FOP.
Na análise genética definitiva, descrita no artigo da revista Nature Genetics, análise esta que situou o gene da FOP em uma região do cromossomo 2, os pesquisadores usaram um subgrupo de famílias no qual todos os indivíduos afetados tinham características claras de FOP clássica que incluem a típica má-formação congênita dos dedos grandes dos pés e o padrão previsível de formação dos ossos extra que mimetiza o padrão embrionário de formação do esqueleto humano normal. Os pesquisadores descobriram que todas as pessoas com FOP clássica têm a mesma mutação no gene ACVR1.
Olhando Adiante
O modelo feito por computador da estrutura tri-dimensional da proteína mutante ACVR1 sugere uma ativação alterada deste tipo de ACVR1. “Presumivelmente, a mutação da FOP causa um curto-circuito molecular ou uma ativação promiscua do receptor, entretanto, a fisiologia molecular detalhada ainda está sendo decifrada,” diz Kaplan. “Este conhecimento será essencial para o desenvolvimento de tratamentos e de uma possível cura para a FOP.”
“Para entender realmente as conseqüências fisiológicas, iniciamos o desenvolvimento de um rato geneticamente alterado (engenharia genética) com a mutação da FOP,” ressalta Shore.
O gene ACVR1 e proteína foram codificados na maquinaria molecular do DNA dos vertebrados há quase 400 milhões de anos – muito antes do surgimento dos primeiros dinossauros na Terra – sugerindo que a natureza precisa manter o aminoácido arginina na localização 206 para garantir o funcionamento normal das células, tecidos e órgãos. Será importante agora desenvolver um modelo animal com a mesma mutação no ACVR1 que é encontrada nas pessoas que têm FOP. O gene ACVR1 é altamente conservado através de toda a evolução dos vertebrados, (desde os peixes, os ratos até os humanos). Ainda não sabemos se haverá sucesso na criação de um rato que desenvolverá a FOP.
“Nós agora sabemos a causa da FOP a nível genético, e esperamos entender brevemente o mecanismo a nível molecular,” diz Kaplan. “Este conhecimento poderá ser utilizado algum dia, não apenas para entender e tartar a FOP mas para o tratamento de várias doenças comuns que afetam o esqueleto –como as formas não-genéticas de crescimento de ossos “extra” que podem ocorrer após a substituição completa do quadril, de traumatismos cranianos, de trauma de medula óssea, de traumas esportivos, de danos causados por explosões em guerras e até mesmo osteoartrite e danos em válvulas cardíacas.Talvez algum dia sejamos capazes de dominar e direcionar a mutação genética que causa a formação dos ossos renegados na FOP e produzir ossos de uma forma controlada – para osteoporose grave, perda óssea grave após traumatismos, fraturas que não se solidificam ou fusões espinhais que apresentam lentidão em sua cura, ou má formação congênita da coluna e dos membros.”
Atingimos um pico em nossa jornada épica para entender a FOP- conhecimento que necessitamos desesperadamente para ajudar as crianças e que esperamos que ajude também a muitas outras pessoas. Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas finalmente podemos ver um horizonte terapêutico acima das nuvens, e a visão é promissora.”
Esta pesquisa foi patrocinada por famílias e amigos de pacientes com FOP de todo o mundo; pela Associação Internacional de FOP (www.ifopa.org); e pelo Instituto Nacional de Saúde. São Co-autores deste trabalho Meiqi Xu, George J. Feldman, e David A. Fenstermacher, todos da Universidade da Pensilvânia; Matthew A. Brown, do Centro de Imunologia e Pesquisas sobre o Cancer, Princess Alexandria Hospital, Woolloongabba, Queensland, na Australia; e o Consórcio Internacional de Pesquisas em FOP.
Os membros do Consórcio Internacional de Pesquisas em FOP são:
Tae-Joon Cho e In Ho Choi (Seoul National University Children’s Hospital, Seoul, Corea),
J. Michael Connor (University of Glasgow School of Medicine, Glasgow, Escócia),
Patricia Delai (São Paulo, Brasil),
Martine LeMerrer (Hospital Necker-Enfants Malades, Paris),
· Rolf Morhart (Klinikum Garmisch-Partenkirchen, Garmisch-Partenkirchen,
Alemanha),
· John Rogers (The Royal Children’s Hospital, Melbourne, Australia),
· Jon Andoni Urtizberea (European Neuromuscular Center, Baarn, Holanda),
· Roger Smith and James Triffitt (University of Oxford, Oxford)
David Glaser and Michael Zasloff (University of Pennsylvania School of
Medicine, Filadélfia).




