Pela primeira vez é descrito uma mutação ativadora na proteína IL7R (Receptor da Interleucina 7), que acaba de ser publicada (dia 4/9) pela Revista Nature Genetics. A pesquisa levou cinco anos para ser concluída e revela que a proteína IL7R defeituosa leva à proliferação descontrolada das células na leucemia linfoide aguda T (LLA-T). Foram estudados 201 pacientes com leucemia linfoide aguda T, sendo 68 provenientes do Centro Infantil Boldrini, de Campinas (SP). A pesquisa revelou que cerca de 10% dos pacientes com leucemia linfoide aguda T possuem a mutação IL7R.
Esta descoberta, tese de doutorado de Priscila Pini Zenatti, pesquisadora do Boldrini, contribui para a identificação e a compreensão de um novo mecanismo, responsável pelo surgimento da leucemia infantil; a curto prazo, essa mutação poderá ser usada como um novo alvo para o desenvolvimento de drogas específicas para o tratamento da leucemia infantil.
Coordenado pelos pesquisadores doutores José Andrés Yunes, do Boldrini, e João Barata, do Instituto de Medicina Molecular, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, o estudo contou com a colaboração do Laboratório Nacional de Luz Síncroton; do Laboratório de Imunorregulação Molecular do Instituto Nacional do Câncer, dos EUA e de outros centros de pesquisas da Europa, o que permitiu a completa caracterização das consequências celulares decorrentes da mutação do IL7R. Nos testes com cobaias, “os ratinhos que receberam o gene da proteína IL7R defeituosa ficaram doentes, desenvolveram tumores e infiltração de células leucêmicas em diversos órgãos, que ficaram muito aumentados em tamanho, quando comparados com os ratinhos que receberam a proteína normal”, afirma a pesquisadora Priscila.
Para a oncologista Silvia Brandalise, diretora do Boldrini e responsável pelo Protocolo Brasileiro de Leucemia Linfoide Aguda, “os resultados deste estudo, que tem o apoio da FAPESP e do CNPq, contribuem para o conhecimento das diferentes vias de ativação das proteínas envolvidas na proliferação e maturação das células linfoides. Por outro lado, o reconhecimento da proteína IL7R na patogênese da leucemia T-derivada trará novas perspectivas para o desenvolvimento futuro de novas terapias alvo-específicas”.
A proteína IL7R é muito importante para o amadurecimento e a sobrevivência das células-tronco do sangue. Parte das células-tronco sanguíneas irá formar os linfócitos T (um tipo de célula de defesa do organismo), que nascem na medula, migram para o Timo (órgão próximo ao coração), onde ocorre o processo de amadurecimento e depois seguem para outros órgãos (linfonodos, baço etc). “A mutação do IL7R
causa a ativação contínua da proteína, contrariando o processo normal de amadurecimento celular, o que leva à proliferação exagerada de linfócitos imaturos”, explica a pesquisadora. Esta mutação está presente em 10% das leucemias linfoide aguda T (LLA-T).
Para o doutor Andrés Yunes “é preciso agora entender se as mutações do IL7R ocorrem ao acaso ou se há algum fator genético ou ambiental que predisponha a ocorrência da mutação e a progressão da célula mutante em leucemia”, diz o pesquisador.
A fim de testar uma potencial aplicação terapêutica destas mutações, os pesquisadores realizaram testes preliminares com algumas drogas que foram capazes de levar à morte células portadoras da proteína mutada. “Isso já é um bom sinal, pois há casos de câncer onde as células se tornam resistentes ao tratamento. No entanto, ainda serão necessários futuros estudos para minimizar possíveis efeitos colaterais e também estudar a possibilidade de ministrá-las juntamente com outras drogas durante o tratamento das LLA-T”, diz Priscila.
Os próximos passos do estudo serão concentrados no desenvolvimento de anticorpos e novos fármacos, que reconheçam especificamente a proteína mutada. “A utilização desses anticorpos, como uma nova droga, trará a possibilidade de inativar a proteína mutada, sem afetar as células normais do paciente”, avalia Priscila.
LEUCEMIA
A leucemia é a forma mais comum de câncer na infância e na adolescência, representando em torno de 30% de todas as neoplasias em crianças menores de 15 anos de idade. Leucemia Linfoide Aguda (LLA) é o tipo de câncer da criança e do adolescente mais frequente no Brasil, com estimativa de 2 mil novos casos por ano, segundo estimativa do Ministério da Saúde. A Leucemia Linfoide Aguda T (LLA-T), subtipo da LLA, corresponde a cerca de 15% dos casos de LLA.
O Centro Infantil Boldrini há 33 anos atua no cuidado de crianças e adolescentes com câncer e doenças hematológicas. Atualmente, o Boldrini trata cerca de 7 mil pacientes de diversas cidades brasileiras e alguns de países da América Latina, a maioria (80%) pelo SUS. É considerado um dos centros mais avançados do país, que reúne alta tecnologia em diagnóstico e tratamento especializado, com índice de cura de 70% a 80% em alguns tipos de câncer.