Projeto enfraquece regras ambientais, nacionaliza autolicenciamento e exclui áreas protegidas das exigências legais; votação ocorreu com plenário esvaziado na véspera do recesso
Com o plenário esvaziado e longe dos holofotes, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (17) o texto principal do Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado por ambientalistas de “PL da Devastação”. Aprovado por 267 votos a 116, o projeto fragiliza o licenciamento ambiental no país e abre caminho para a liberação de empreendimentos de grande impacto com pouca ou nenhuma avaliação técnica prévia.
A sessão foi conduzida pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que articulou a votação fora da pauta pública e em plena véspera do recesso informal do Legislativo. O texto aprovado institui a prática do autolicenciamento ambiental em nível nacional, dispensando análises de órgãos federais como o Ibama em diversas situações — inclusive para supressão de vegetação em áreas sensíveis como a Mata Atlântica.
Entre os pontos mais criticados do projeto estão a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias e de infraestrutura consideradas de “baixo impacto”, além da possibilidade de renovação automática de licenças com base apenas em autodeclarações feitas por empreendedores pela internet. A medida, segundo especialistas, abre brechas para irregularidades, omissão de riscos e fragilização de comunidades afetadas por grandes obras.
O projeto também exclui da exigência de licenciamento áreas ocupadas por comunidades tradicionais e povos indígenas ainda não regularizados formalmente — uma mudança vista por ambientalistas como um retrocesso grave na proteção territorial e nos direitos dessas populações.
Entidades como o Observatório do Clima, ISA (Instituto Socioambiental) e Greenpeace criticaram duramente a aprovação. Para o biólogo e ambientalista André Lima, “o Congresso rasgou o princípio da precaução ambiental, e o país volta décadas em matéria de governança ecológica”. Segundo ele, o autolicenciamento, nos moldes propostos, compromete inclusive a segurança jurídica de empreendimentos sérios.
A proposta vinha sendo discutida desde 2004, mas sofreu aceleração desde o início de 2023, diante de pressões de setores do agronegócio e da mineração. Nos bastidores, a aprovação relâmpago foi lida como uma vitória da bancada ruralista, que há meses trabalhava para retirar o Ibama e órgãos estaduais do caminho de obras estratégicas.
A medida ainda precisa ser analisada pelo Senado, mas ambientalistas alertam que sua aprovação final pode gerar consequências severas. Além dos impactos ambientais diretos, o texto aprovado pode colocar em risco acordos comerciais internacionais, especialmente com a União Europeia, que exige cláusulas ambientais robustas em tratados com o Brasil.
O governo federal ainda não se manifestou oficialmente sobre o texto, mas parlamentares da base do presidente Lula, que votaram contra o projeto, já articulam uma tentativa de barrar ou modificar pontos críticos no Senado. Com o recesso se iniciando, no entanto, a mobilização política para conter os efeitos da proposta só deve ganhar força a partir de agosto.
Votação dos deputados por partido
- Líderes e partidos tradicionais de apoio incluíram: PP, PL, PSD, Republicanos, União Brasil, PSDB e MDB, além de integrantes da bancada ruralista e de infraestrutura.
Foto Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados