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sexta-feira, setembro 20, 2024

Uma cerveja para chamar de sua

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Por Maurício Beltramelli

Imagine-se o leitor em visita àquele restaurante que há tempos queria estar. Após acomodar-se, chega o maître, pimpão, a lhe oferecer o menu. Ao abrir a carta, vem a surpresa: só há… arroz! Páginas a fio, arroz, e nada mais. Ante a pergunta a respeito da monotonia de opções, o maître não entende a estupefação. Afinal, todo mundo está acostumado há anos a só pedir… arroz, ora!

A cena, embora surreal, se transportada para o mundo das cervejas, transmuta-se em realidade, pelo menos deste lado do Equador. Há décadas o brasileiro está habituado a aceitar passivamente que apenas uma variedade de cerveja é possível: a Pilsen, aquela “loira gelada” do boteco, a ser bebida despreocupadamente e com imensas doses de desatenção. Para uns e outros, nem mesmo importa a marca, é “tudo igual” mesmo… É a “cerveja arroz”.

A ótima notícia é que esse árido cenário vem mudando a galope. A cada minuto, mais e mais brasileiros se dão conta de que existem nada menos que, respire, 120 estilos diferentes no panteão da variedade de cervejas. Desde a Idade Média, faz-se na Europa brejas com os mais diversos e inimagináveis ingredientes além do malte de cevada. Há cervejas com café, mel, cereja, framboesa, limão, abóbora, mandioca, gengibre, chocolate.

Os métodos de fabricação mais diferentões incluem maturação em barris de carvalho, fermentações espontâneas com leveduras selvagens (que ficam naturalmente em suspensão no ar) ou até mesmo remuages (gesto de girar a garrafa uma vez por dia para auxiliar na eliminação de partículas sólidas) e degorgèes (ação de “decapitar” a garrafa para eliminar fermentos depositados no gargalo), próprios da elaboração dos grandes vinhos. Até mesmo a velha classificação “cerveja clara” ou “cerveja escura” já há muito caiu em franca decadência, eis a imensa variedade de coloração dos diferentes estilos do líquido. Assim, a velha “loira” pode hoje também ser ruiva, vermelha, ocre, rósea, branca como leite ou até mesmo verde como a relva, com milhões de aromas, sabores e texturas diferentes. Vive la différence!

 A exemplo do que ocorreu com o vinho há alguns anos, o despertar do brasileiro acerca das cervejas ditas “especiais” vem crescendo exponencialmente a reboque das importações cada vez mais numerosas. Hoje, por aqui, estima-se que já existam cerca de 700 rótulos importados disponíveis, e o número vem crescendo a cada mês. Está em cena, ainda, uma silenciosa explosão de microcervejarias artesanais em solo nacional, elaborando cervejas nobres, muitas das quais em nada são devedoras às melhores europeias.

Ora, direis, e os preços? A regra geral, que vale pra tudo – incluindo a cerveja – é que melhor qualidade implica em maior preço. Todavia, basta ter um pouco mais de discernimento para descobrir ótimas cervejas por valores surpreendentemente baixos, beirando mesmo os preços das brejas “premium” industriais. Com o perdão do clichê, há cervejas para todos os bolsos.

Essa verdadeira revolução de costumes gastronômicos já se faz sentir nas gôndolas dos supermercados, empórios, bares e restaurantes mais antenados. Se há oferta, deduz-se que há procura. E a demanda crescente por esses produtos diferenciados traduz-se em números que impressionam. No Brasil, de acordo com os dados da consultoria Nielsen, o mercado de cervejas especiais cresceu 115% em 2009, atingindo R$ 1,4 bilhão em vendas, enquanto que a procura pelas cervejas “comuns” subiu apenas 23%.

Cada tipo de cerveja tem o seu momento adequado – mesmo a velha Pilsen do boteco. A propaganda das grandes cervejarias ainda vai continuar abastecendo as mentes nacionais com a idéia marginalizada da cerveja para ser consumida em grandes quantidades e ao ponto do congelamento. Entretanto, a silenciosa, porém contínua, mudança de hábitos de consumo dos brasileiros está aí, e não adianta ignorá-la. Cada vez mais pessoas se dão conta da miríade de opções existentes de sabores das cervejas, e a curiosidade move o mercado. Pela primeira vez, não há apenas arroz no cardápio!

 ٭ Mestre em Estilos de Cerveja e Avaliação formado pelo Siebel Institute de Chicago (EUA), Mauricio Beltramelli é co-fundador e editor do BREJAS, hoje o maior portal sobre cervejas na Internet brasileira. É também um dos sócios do Bar Brejas, casa especializada em cervejas especiais, contando com mais de 200 rótulos. Como articulista de cervejas, seu trabalho já apareceu em publicações e veículos como Revista Prazeres da Mesa, Guia da Cerveja, Jornal da Tarde, Rádio CBN, e muitos outros. Viaja frequentemente pelo Brasil e exterior para pesquisar o mundo das cervejas e conferir palestras sobre o tema.

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