Governadores bolsonaristas se articulam em torno de um “consórcio de paz” que, na prática, desafia o governo federal e reabre o debate sobre a economia que sustenta as facções
Por Sandra Venancio
Dois dias depois da megaoperação que resultou em 121 mortes na Zona Norte do Rio de Janeiro, o governador Cláudio Castro (PL) reuniu, no Palácio Guanabara, seis governadores de direita para anunciar a criação de um “consórcio de paz”, destinado à integração de políticas de segurança e inteligência entre os estados. O encontro, contudo, foi interpretado em Brasília como uma manobra política que transforma uma tragédia em instrumento de disputa eleitoral e reposiciona o campo bolsonarista na pauta da segurança pública.
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O grupo — composto por Romeu Zema (Novo-MG), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Jorginho Mello (PL-SC), Eduardo Riedel (PSDB-MS), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) (virtualmente) e Celina Leão (PP-DF) — defendeu o endurecimento no combate ao crime e exaltou a operação no Rio como “modelo de sucesso”.

Manobra política em meio ao luto
A criação do consórcio, formalizada sem qualquer participação do governo federal, foi recebida com preocupação no Planalto. A leitura interna é de que a iniciativa tem caráter político-eleitoral, e que o massacre foi convertido em palanque para líderes da direita.
O presidente Lula (PT) determinou que seus ministros atuem nas redes sociais para desmontar o que o governo chama de “campanha coordenada” que tenta associar o Planalto à tragédia.
Segundo apuração da Fórum, Lula cobrou “resposta clara e pedagógica” à população: o governo federal não foi chamado a participar da operação, e a segurança pública no Rio é atribuição constitucional do Estado.
A estratégia será digital e massiva, com vídeos, postagens e lives diárias. “Não podemos deixar que o luto se transforme em arma eleitoral”, teria dito Lula a ministros.
Consórcio de paz ou consórcio político
Embora o nome sugira cooperação técnica, o “consórcio de paz” tem contornos de um bloco de oposição ao Planalto. O movimento reflete a tentativa de reorganizar o bolsonarismo em torno da retórica da “guerra ao crime”, bandeira que combina apelo emocional e discurso moralista.
Os governadores defendem “integração de forças” e “resposta imediata” ao crime, mas especialistas em segurança pública alertam que o modelo de enfrentamento reforça o ciclo da violência, amplia o poder das facções e desvia o debate da causa estrutural: a economia ilegal das drogas.
A economia invisível do tráfico
A ausência de uma política racional sobre as drogas — centrada em prevenção, tratamento e regulação — é o motor financeiro das facções que dominam territórios nas periferias.
O proibicionismo, sustentado por décadas de políticas de repressão, criou um mercado bilionário paralelo. Estimativas de centros de pesquisa em segurança indicam que o tráfico de entorpecentes movimenta mais de R$ 25 bilhões por ano no Brasil, alimentando redes de corrupção, compra de armas e domínio sobre comunidades inteiras.
Nesse contexto, a não legalização das drogas é o combustível da criminalidade organizada. A economia do tráfico sobrevive da proibição — e, quanto mais o Estado reprime, mais caro e rentável o produto ilegal se torna.
O jogo eleitoral e o silêncio estratégico
A articulação dos governadores, sem convite ao ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, explicitou o distanciamento político entre os estados controlados pela direita e o Planalto. A reunião — celebrada como “marco de união contra o crime” —, na prática, reacendeu o palanque bolsonarista, em um país que ainda contabiliza os mortos da operação.
Mas, na arena política, o massacre se transformou em narrativa de força, e o “consórcio de paz” pode ser o embrião de uma nova frente de oposição.
No campo simbólico, a guerra ao crime se confunde com a guerra eleitoral. E, enquanto isso, o verdadeiro inimigo continua intocado: o lucro do tráfico que nasce da proibição, cresce na ausência de políticas públicas e se alimenta do medo que move votos.




