Mensagens obtidas pela Polícia Federal mostram como recursos de emendas parlamentares eram desviados por meio de empresas de fachada e distribuídos como propina
Por Sandra Venancio
Conversas interceptadas pela Polícia Federal no âmbito da Operação Overclean, encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e obtidas pelo UOL, expõem o funcionamento de um sofisticado esquema de desvio de emendas Pix — verba pública que, até a recente intervenção do Supremo, podia ser transferida a estados e municípios sem qualquer exigência de projeto ou transparência. As mensagens detalham como parte do dinheiro público foi canalizada para empresários, repassada a prefeituras e, posteriormente, redistribuída em forma de propina.
>> Siga o canal do Jornal Local no WhatsApp
A investigação mostra que, entre 2021 e 2023, recursos destinados por deputados federais baianos a municípios do interior do estado teriam sido desviados com o uso de empresas de fachada e contratos superfaturados. Segundo a PF, o dinheiro saía dos cofres públicos e passava por um circuito de companhias controladas por laranjas, até ser pulverizado em contas pessoais e transformado em propinas.

Mensagens trocadas entre o empresário Evandro Baldino do Nascimento, apontado como um dos articuladores do esquema, e Marcelo Chaves Gomes, assessor do deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA), revelam o uso de um vocabulário cifrado para tratar de repasses financeiros. Termos como “caloi”, “platitas”, “laplatina”, “garfo”, “soldas”, “garrotes” e “praguinhas” eram utilizados para se referir a dinheiro, pagamentos ou entregas de valores.
A sexta fase da operação, deflagrada no final de junho, teve como alvo o gabinete de Félix Mendonça Júnior e duas prefeituras baianas — Boquira e Ibipitanga — cujos prefeitos chegaram a ser afastados por ordem do STF. Ambos já retornaram ao cargo.
A defesa de Marcelo Chaves afirmou, em nota, que o caso corre sob segredo de Justiça e que “esta restrição de publicidade impede comentários ou divulgação de detalhes sobre a investigação”. O advogado acrescentou que o assessor “é absolutamente inocente e provará isso no momento oportuno”.
O deputado Félix Mendonça Júnior também negou qualquer envolvimento. “Nunca tratei de emendas com o empresário Evandro Baldino e tampouco destinei recursos para empresas ligadas a ele”, declarou. O empresário, por sua vez, não respondeu aos questionamentos.
A trama política por trás das emendas Pix
A investigação tramita no gabinete do ministro Nunes Marques, relator da Overclean no STF. Além de Félix, o inquérito envolve outros parlamentares da bancada baiana, entre eles Elmar Nascimento (União-BA) e Dal Barreto (União-BA).
Fontes ligadas à PF afirmam que a ausência de controle sobre as emendas Pix, criadas em 2021, abriu espaço para uma nova modalidade de corrupção, mais difícil de rastrear. Diferentemente das emendas tradicionais, esse tipo de repasse permitia que parlamentares enviassem recursos diretamente a prefeituras, sem necessidade de detalhar o destino do dinheiro nem de apresentar contrapartidas.
Segundo investigadores, os recursos eram distribuídos conforme alianças políticas regionais. “O sistema das emendas Pix transformou-se em um balcão de negócios onde o retorno era político e financeiro. O dinheiro público saía limpo e voltava sujo”, explicou um delegado que atua no caso, sob reserva.
O impacto no controle público
A intervenção do STF, que suspendeu o uso livre das emendas Pix em 2023, freou temporariamente o fluxo desses recursos, mas não eliminou as investigações. Para especialistas, o caso Overclean é o retrato de como a ausência de transparência no orçamento público alimenta práticas de corrupção sistêmica.
“Esse tipo de esquema mostra que a opacidade orçamentária é tão perigosa quanto a falta de controle sobre armas ou drogas: ela fortalece redes paralelas de poder e mina as bases do Estado democrático”, avalia o cientista político Henrique Valença, da Universidade Federal da Bahia.
Conclusão:
A Operação Overclean expõe não apenas um caso de corrupção, mas um modelo de gestão pública construído na sombra, onde verbas federais, códigos cifrados e alianças políticas se entrelaçam. Com a investigação avançando no Supremo, o caso promete revelar até que ponto o dinheiro das emendas Pix serviu de combustível para um novo tipo de crime político — digital, disfarçado e institucionalizado.




