Transferência de dez chefes do CV para Bangu 1 ocorre após madrugada de terror com barricadas, tiroteios e corpos espalhados pela Penha; governo do Rio pede envio dos criminosos para presídios federais
POR SANDRA VENANCIO
A noite de terça-feira (28) terminou em clima de guerra no Rio de Janeiro. Dez dos criminosos mais temidos do estado, integrantes da cúpula do Comando Vermelho (CV), foram retirados às pressas de Bangu 3 e levados para Bangu 1, o presídio de segurança máxima do estado. A operação relâmpago foi uma resposta direta à onda de terror e destruição provocada por faccionados após a chacina que já soma 128 mortos nos complexos do Alemão e da Penha.
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Segundo o governo do Rio, os chefes da facção — entre eles Marco Antônio Pereira Firmino, o “My Thor”, apontado como um dos principais líderes do CV — são suspeitos de ordenar, de dentro da prisão, a retaliação violenta que incendiou a cidade. Veículos em chamas, vias bloqueadas e barricadas tomadas por criminosos paralisaram o trânsito por mais de 12 horas entre a capital e a Região Metropolitana.

A transferência foi acompanhada por um forte esquema de segurança, com helicópteros, comboios blindados e viaturas do Batalhão de Choque. De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), os dez líderes foram colocados em celas isoladas e estão proibidos de se comunicar com outros detentos.
A medida tem caráter provisório, mas o governo estadual já solicitou ao Ministério da Justiça o envio imediato dos presos para unidades federais de segurança máxima — uma estratégia para enfraquecer o poder de articulação do CV dentro das cadeias fluminenses.
“Esses criminosos continuam comandando ações violentas e espalhando o caos nas ruas. A transferência é uma medida emergencial para conter o avanço da facção”, afirmou o coronel Marcelo de Menezes Nogueira, secretário da PM.
O pedido de isolamento foi reforçado após o avanço das investigações sobre a megaoperação policial que deixou dezenas de mortos e corpos espalhados por áreas de mata na Serra da Misericórdia, na Penha. A operação, considerada a mais letal da história do Rio, envolveu mais de 2.500 agentes das polícias Civil, Militar, Federal e Rodoviária Federal.
Na manhã desta quarta-feira (29), moradores da Penha levaram mais de 60 corpos até a Praça São Lucas, muitos deles encontrados em regiões de mata. O gesto, segundo moradores, foi uma tentativa de facilitar o reconhecimento das vítimas — que, até o momento, não foram incluídas no balanço oficial do governo do estado.
A madrugada foi marcada por cenas de desespero, ruas esvaziadas e um cerco policial que transformou a Zona Norte do Rio em um campo de batalha. “Foi uma noite de terror. A cidade ficou paralisada”, relatou uma moradora do Alemão que preferiu não se identificar.
Enquanto o governo comemora o que chama de “o maior golpe contra o crime organizado no estado”, as comunidades contabilizam o luto e denunciam execuções sumárias e desaparecimentos. Organizações de direitos humanos pedem investigação independente e afirmam que o número de mortos pode ser ainda maior.
PODER E REPRESSÃO
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), as facções criminosas do Rio controlam mais de 850 favelas e mantêm influência direta dentro do sistema prisional. Especialistas em segurança apontam que, mesmo em presídios de segurança máxima, líderes de organizações como o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro (TCP) continuam coordenando ataques, negociações e execuções.
A transferência de chefes de facção costuma gerar efeito imediato nas ruas, com aumento de confrontos, incêndios e ataques a forças policiais. Para o antropólogo e pesquisador José Claudio Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), “a guerra entre o Estado e o tráfico se alimenta da lógica da vingança — e quem paga o preço é sempre a população pobre”.




