Pedro J. Bondaczuk
Os grandes homens, os gigantes da espécie, aqueles que com sua atuação promoveram os grandes saltos da civilização, fazendo com que o homem saísse das cavernas e ousasse enfrentar o espaço em busca de outros mundos, tinham (e têm, pois ainda existem), como principal característica, a persistência. Raramente desistiram de suas empreitadas.
Mostraram, além de coragem, competência e visão de futuro, exemplar vitalidade. Tentaram, erraram, voltaram a tentar, tornaram a errar, mas persistiram, até chegar ao que queriam. Não tiveram apenas vitalidade e persistência. Demonstraram outra virtude, raramente citada, mas que é fundamental para o sucesso de qualquer empreitada: tiveram a paciência de recomeçar. Quando a meta era alcançável, nunca se deram por vencidos. E foi exatamente isso que os tornou gigantes da espécie.
Há situações, porém, em que fica evidente que o objetivo a que nos propomos a atingir está muito além de nossa capacidade (física, mental e/ou intelectual). Isso fica claro após inúmeros recomeços e conseqüentes novos fracassos. Como persistência nunca foi sinônimo de teimosia, chega o momento em que temos que admitir que a tarefa deve caber a quem esteja mais apto do que nós para ela. Nessas circunstâncias, os gigantes da espécie demonstraram outra virtude, pouco realçada, mas de extrema valia: a aceitação.
Ressalte-se que esta não se trata – como se pode (erroneamente) supor – de atitude passiva, frustrada, covarde, de mera batida em retirada do campo de batalha. Aceitar nossas limitações não é isso. Não implica em derrota e muito menos em acomodação, pelo contrário. Deve ser um estímulo para que estudemos mais, para que nos preparemos com mais afinco e disciplina e para que nos fortaleçamos para novos desafios.
Os gigantes da espécie, quando aceitam o fato de não terem forças suficientes para realizar determinada tarefa, não se limitam a abandonar a luta e a esquecer o problema, como se ele nunca tivesse existido. Pelo contrário. Empenham-se, sobretudo, para encontrar substitutos que estejam habilitados a levar a bom termo a missão que não tiveram condições de conduzir. Trata-se, como se vê, de postura muito diferente da assumida pelos apáticos, que sequer tentam empreender o que quer que seja, mesmo que plenamente habilitados para a sua consecução.
Arthur Gordon – famoso escritor e editor norte-americano que, no entanto, é pouco conhecido no Brasil – tratou dessa distinção (que muitos não sabem, ou não querem fazer) de forma até bem didática. Reitero: aceitação e apatia estão muito distantes de serem sinônimos, de significarem a mesma coisa. A primeira implica em prudência, em atitude positiva, em honesta admissão de incapacidade, mas com a certeza de poder realizar muitas outras coisas para o bem comum. A segunda significa, apenas, passividade, omissão, falta de ânimo para aceitar qualquer desafio que a vida venha a lhes impor.
Entre os livros que Arthur Gordon escreveu, destaco “Um toque de beleza”, já lançado no Brasil, no qual, em determinado trecho, narra a história de um amigo surdo e quase cego, mas que, a despeito dessas deficiências, é uma pessoa positiva e alegre, que acima de tudo sempre procura extrair o máximo da vida, dentro das limitações físicas que tem. Ou seja, “aceita” sua condição. Não a lamenta e nem se coloca em postura de vítima. Mas não admite, nem de longe, ser apático. E não é!
Com os recursos que dispõe, é uma pessoa alegre, dinâmica e, a seu modo, feliz. Conhece, por exemplo, o segredo de uma boa risada para dissipar tristezas, desânimo e sentimentos de derrota. E não é, convenhamos, nenhum perdedor, longe disso. É um exemplo para os que o conhecem e com ele convivem (mesmo que não seja essa, conscientemente, sua intenção).
Arthur Gordon, em outro de seus textos (se não me engano, em um ensaio), faz a seguinte e relevante distinção: “Algumas pessoas confundem aceitação com apatia, mas há uma diferença fundamental entre as duas. A apatia não consegue distinguir entre o que tem e o que não tem remédio; a aceitação faz essa distinção. A apatia paralisa a vontade de ação; a aceitação liberta-a para aliviá-la de obstáculos invencíveis”. Simples, não é mesmo?
Não raro lamentamos obstáculos e dificuldades que temos que enfrentar durante a vida e lhes atribuímos culpa por eventuais fracassos que temos, o que é um álibi sem nenhuma consistência. A atitude mais correta é a de não culpar ninguém pelas nossas fraquezas. É a de considerarmos esses “acidentes de percurso” como privilégios, pois se tratam de desafios a vencer e que, se superados, valorizam nossas conquistas. Ou, quem sabe, de lições e alertas sobre os nossos limites e sobre o que tem e o que não tem remédio.
Mesmo que não venhamos a nos dar conta, temos forças físicas e/ou mentais para superar barreiras ou para recuar quando os obstáculos são nitidamente insuperáveis ou muito superiores à nossa capacidade. Para isso, fomos dotados de inteligência, arma irresistível quando utilizada com competência e persistência.
Obstáculos e dificuldades, portanto, são testes aos nossos limites, que nunca sabemos, a priori, quais são. O filósofo Epicuro já dizia, há vários séculos antes de Cristo: “Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades”. Se não os superassem, não só não fariam as grandes descobertas que fizeram, como morreriam e seriam esquecidos, para todo o sempre, como se sequer existissem. Sejamos como eles. Mas aceitemos os recuos, quando indispensáveis, até para a preservação da nossa integridade física (quando não da vida), porém, sem jamais, em circunstância alguma, cair na tentação da apatia. É dessa forma (e só dela) que podemos nos tornar, também, num dos gigantes da espécie.