Entidades de direitos humanos responsabilizam o governador Cláudio Castro por 64 mortes e afirmam que o Estado “transformou favelas em campos de batalha”
Por Sandra Venancio
Quase 30 organizações de direitos humanos e coletivos da sociedade civil divulgaram, nesta terça-feira (28), uma nota conjunta classificando a Operação Contenção, realizada nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, como uma “matança produzida pelo Estado brasileiro”. A ação, considerada a mais letal da história do estado, deixou 64 mortos, incluindo quatro policiais, segundo informações da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.
>> Siga o canal do Jornal Local no WhatsApp
O documento responsabiliza diretamente o governador Cláudio Castro (PL), afirmando que ele “detém o título de responsável por quatro das cinco operações mais letais da história do Rio de Janeiro”. As entidades acusam o governo de “premiar o confronto e a morte”, transformando comunidades em “campos de batalha, onde moradores são tratados como inimigos internos”.

Entre as signatárias estão Anistia Internacional Brasil, Justiça Global, Conectas Direitos Humanos, Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), CEJIL, Instituto Papo Reto, Redes da Maré, ISER, Observatório de Favelas, Instituto Sou da Paz, Rede Justiça Criminal, Casa Fluminense e Frente Estadual pelo Desencarceramento, entre outras.
Críticas à política de segurança e à “guerra às drogas”
O texto denuncia que o governo estadual tem buscado enfraquecer mecanismos de controle e transparência nas ações policiais, como a ADPF das Favelas (635) — decisão do Supremo Tribunal Federal que estabelece limites para operações em comunidades — e a ADPF 976, que reforça a necessidade de planejamento e preservação de vidas durante incursões.
As organizações afirmam que a Operação Contenção “expõe o fracasso e a violência estrutural da política de segurança pública” e “coloca a cidade em estado de terror”. O documento também cita alertas da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o caráter racista e discriminatório da política de “guerra às drogas” adotada pelo Estado do Rio.
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), 5.421 jovens de até 29 anos foram mortos em intervenções policiais nos últimos dez anos. A maioria dessas vítimas é composta por homens negros e moradores de favelas.
Cenário de horror após a operação
Na madrugada desta quarta-feira (29), moradores do Complexo da Penha levaram mais de 50 corpos até a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, um dia após os confrontos. As vítimas foram encontradas em uma área de mata entre os complexos da Penha e do Alemão, na Serra da Misericórdia, onde se concentraram os tiroteios entre policiais e integrantes do Comando Vermelho (CV).
Relatos de moradores apontam que ainda há corpos no alto do morro e que o número de mortos pode ser superior ao divulgado pelas autoridades. Vídeos e testemunhos indicam que parte das vítimas teria sido executada após rendição, o que reforça as denúncias de execuções sumárias e desaparecimentos.
Histórico de letalidade
A gestão de Cláudio Castro acumula recordes de mortes em operações policiais. Segundo levantamento do Fórum Grita Baixada e do CESeC, quatro das cinco operações mais letais da história do Rio ocorreram entre 2021 e 2025, todas sob o atual governo.
Entre elas estão:
- Jacarezinho (2021) — 28 mortos;
- Complexo do Alemão (2022) — 18 mortos;
- Complexo da Maré (2023) — 21 mortos;
- Penha e Alemão (2025) — 64 mortos.
Reação e silêncio oficial
Até o fechamento desta reportagem, o governo do Rio de Janeiro não havia se manifestado oficialmente sobre o documento das entidades. O governador Cláudio Castro tem defendido publicamente a operação, afirmando que “a polícia enfrentou criminosos fortemente armados e salvou vidas”.
A Defensoria Pública do Estado e o Ministério Público Federal estudam medidas judiciais para apurar as circunstâncias da operação e garantir o cumprimento da ADPF das Favelas, que continua em vigor.
Enquanto isso, organizações e familiares das vítimas prometem novos protestos nos próximos dias, exigindo investigação independente e respeito aos direitos humanos nas favelas cariocas.




