Brasil deixa de arrecadar cerca de R$ 10,8 a R$ 11 bilhões por ano em impostos por causa das apostas online ilegais
Por Sandra Venancio – Foto Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil
A gestão do governador de São Paulo expõe uma contradição gritante entre discurso e prática quando se trata de política tributária. Nesta semana, o governador se mobilizou ativamente em Brasília para articular a derrubada da Medida Provisória (MP) 1303/2025, proposta pelo governo federal para taxar bets, bancos e aplicações financeiras isentas, com estimativa de arrecadação de R$ 35 bilhões em 2025 e 2026 — dinheiro que seria direcionado a programas sociais e infraestrutura.
A MP foi rejeitada no plenário da Câmara dos Deputados após intensa pressão da base aliada ao bolsonarismo e ao centrão, com atuação direta de Tarcísio, segundo o próprio líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). A articulação beneficiou empresas do setor de apostas e o mercado financeiro, dois dos setores mais lucrativos do país.
Mas enquanto se opõe ao aumento de impostos sobre os mais ricos, o governador adota uma postura bem diferente dentro de seu próprio estado. Em São Paulo, sua gestão mantém a cobrança de ICMS (4%) sobre gorjetas de garçons que excedem os 10% tradicionais, afetando diretamente a renda de 1,4 milhão de trabalhadores em cerca de 500 mil bares, restaurantes e similares.
Imposto sobre gorjetas: uma renda já suada
A cobrança tem base em um decreto estadual de 2012, mas passou a ser aplicada com mais rigor nos últimos meses, sob o argumento de aumento da arrecadação estadual. A medida é alvo de críticas da Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de São Paulo (Fhoresp), que a considera “arbitrária, injusta e ilegal”, já que a Lei Federal 13.419/2017 determina que gorjetas são repasses voluntários dos clientes aos garçons, não devendo ser tratadas como receita tributável do estabelecimento.
A Fhoresp já protocolou ofício ao governo estadual pedindo a suspensão das autuações, alegando que a cobrança penaliza trabalhadores de baixa renda, que dependem dessas caixinhas para completar salários muitas vezes baixos e irregulares. Até agora, o apelo foi ignorado.
Justiça tributária seletiva
O contraste entre a postura de Tarcísio no Congresso Nacional e no Palácio dos Bandeirantes levanta críticas contundentes. Para o deputado estadual Kiko Celeguim (PT-SP), a atuação do governador revela prioridades distorcidas: “Ele age para proteger elites econômicas, mas não hesita em tributar quem ganha pouco, como garçons e garçonetes que enfrentam jornadas exaustivas e instabilidade salarial.”
A imagem de Tarcísio como um “gestor técnico” comprometido com a justiça fiscal começa a ruir diante de uma seletividade tributária que pesa mais sobre os ombros de quem tem menos. Enquanto defende em Brasília os interesses de multinacionais de apostas online — muitas sediadas em paraísos fiscais —, sua gestão em São Paulo avança sobre a renda informal de trabalhadores que vivem do contato direto com o público.
Uma escolha política
A rejeição à MP 1303/2025 e a manutenção do imposto sobre gorjetas não são apenas decisões administrativas — são escolhas políticas que revelam quais interesses o governador prioriza. A incoerência entre proteger lucros bilionários e tributar gorjetas evidencia uma falta de compromisso com a equidade tributária, especialmente num momento em que o Brasil enfrenta graves desafios sociais e fiscais.
A arrecadação com a taxação das bets e do sistema financeiro poderia financiar creches, hospitais, escolas e moradias populares. Em vez disso, o governador opta por blindar os mais ricos e aumentar a carga sobre quem vive com o mínimo.