Setor movimenta R$ 100 bilhões ao ano, mas Congresso derruba medida que ampliaria tributação e traria benefícios para saúde, educação e infraestrutura
Por Sandra Venancio – Foto Bruno Peres/Agencia Brasil
O mercado de apostas esportivas, as chamadas bets, transformou-se em um gigante econômico global, movimentando bilhões de dólares e atraindo desde grandes investidores até jovens usuários em busca de lucros rápidos. No entanto, essa indústria de crescimento vertiginoso também levanta sérias preocupações sociais, especialmente em relação à dependência e ao impacto psicológico entre apostadores — muitos deles, vulneráveis.
Em países com regulações sólidas, o setor é tratado com a seriedade que exige: altas taxas de tributação buscam equilibrar a geração de lucro com responsabilidade pública. No Reino Unido, a taxação chega a 21%. Na França, 33%. Itália e Espanha impõem 20%, enquanto no México o índice é de 30%. Nos Estados Unidos, o percentual pode variar entre 20% e 51%, dependendo do estado, com os recursos sendo direcionados para áreas como saúde, educação e infraestrutura.
No Brasil, no entanto, o cenário é outro.
O governo federal tentou seguir esse modelo internacional ao propor, em 2023, a Medida Provisória dos Impostos, que regulamentava e aumentava a tributação sobre as bets de 12% para 18%. A expectativa de arrecadação era ambiciosa: cerca de R$ 30 bilhões por ano, destinados a programas sociais, obras públicas e setores essenciais como saúde e educação.
Mas a proposta foi derrubada na Câmara dos Deputados, em mais uma demonstração da força do lobby das casas de apostas e do peso político do centrão e do bolsonarismo, que atuaram conjuntamente para inviabilizar a iniciativa. A vitória do setor privado sobre o interesse público escancarou a dificuldade do Estado em regular um dos mercados mais lucrativos e menos fiscalizados da atualidade.
O custo de não taxar
O Brasil é hoje um dos maiores mercados de apostas esportivas da América Latina, com estimativas de movimentação na casa dos R$ 100 bilhões anuais. A maioria dessas plataformas atua com sedes em paraísos fiscais e pouca transparência financeira. Sem tributação adequada, essa fortuna circula fora do alcance do Estado, escapando de qualquer contrapartida social.
Enquanto isso, o número de brasileiros que desenvolvem comportamentos compulsivos ligados às apostas cresce, especialmente entre jovens e classes populares. O jogo se tornou parte do cotidiano, impulsionado por publicidade agressiva, influenciadores digitais e a falsa promessa de dinheiro fácil. A falta de regulamentação e de políticas de prevenção amplia os danos sociais e psicológicos — um custo invisível, mas real, para o país.
Congresso cede a pressões privadas
A derrubada da MP dos Impostos revela mais do que um impasse fiscal. Ela expõe uma aliança política entre setores conservadores e interesses empresariais, que se mostram dispostos a barrar qualquer medida que ameace os lucros das bets, mesmo que isso signifique abrir mão de bilhões de reais em investimentos sociais.
Essa escolha política vai na contramão do que se pratica em países com democracias consolidadas, onde a legalização do jogo vem acompanhada de responsabilidade fiscal e social. No Brasil, o poder público se mostra acuado, refém de lobbies e da lógica de curto prazo.
A pergunta que fica
A questão central, diante de tudo isso, é: até quando o lobby das apostas falará mais alto que o interesse público?
Em vez de liderar a regulação e aproveitar o potencial arrecadatório do setor para combater desigualdades, o Congresso optou por proteger um mercado bilionário e desregulado — que lucra com a compulsão e, muitas vezes, com o desespero.
O Brasil perde duas vezes: deixa de arrecadar recursos essenciais e abandona sua população à própria sorte, enquanto outros países mostram que é possível conciliar liberdade de mercado com responsabilidade pública.