Facção teria usado fintechs para movimentar R$ 6 bilhões; operação apura se valores chegaram à campanha do governador de SP
Reportagem Sandra Venancio – Foto Marcelo Camargo/Agencia Brasil
A Polícia Federal investiga uma doadora da campanha eleitoral do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), por suspeita de envolvimento em um esquema de lavagem de dinheiro ligado à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A apuração faz parte da Operação Hydra, deflagrada em 25 de fevereiro de 2025, que revelou a atuação de fintechs — instituições financeiras digitais — usadas para movimentar aproximadamente R$ 6 bilhões de origem ilícita nos últimos cinco anos.
A operação é conduzida em conjunto com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo. Entre os alvos está o policial civil Cyllas Salerno Elia Júnior, fundador da fintech 2GO Bank, apontada como peça central do esquema. Cyllas foi preso preventivamente, e mandados de busca e apreensão foram cumpridos em São Paulo, Santo André e São Bernardo do Campo.
A investigação indica que as fintechs 2GO Bank e InvBank eram usadas para ocultar dinheiro obtido com o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas, criando contas laranjas, movimentando recursos por meio de criptomoedas e estruturando transações no Brasil e no exterior. Documentos e delações apontam que parte dos recursos teria sido usada para realizar doações políticas aparentemente legais, com o objetivo de lavar o dinheiro e influenciar o processo político. Uma das doadoras identificadas aparece como financiadora da campanha de Tarcísio em 2022.
O nome da doadora ainda não foi divulgado oficialmente. A investigação corre sob sigilo, mas fontes ligadas ao inquérito afirmam que a PF já rastreou a origem dos recursos e há indícios de triangulação financeira entre empresas de fachada ligadas à facção, contas digitais e pessoas físicas que aparecem como doadoras em prestações de contas eleitorais.
A Polícia Federal também apura o envolvimento de outros agentes públicos e empresários, além da relação próxima entre alguns policiais civis de São Paulo e os operadores das fintechs. Cyllas, o fundador da 2GO Bank, é policial civil afastado e já havia sido investigado anteriormente por suposto enriquecimento ilícito.
O governador Tarcísio de Freitas, ao ser questionado sobre o caso, afirmou que a campanha agiu dentro da legalidade e que eventuais irregularidades são de responsabilidade dos doadores, e não da candidatura. “Não há qualquer relação da nossa equipe com crime organizado. Se houve uso indevido de recursos, que os responsáveis sejam punidos. A lei é para todos”, disse em nota.
A Operação Hydra surgiu a partir da delação de Antônio Vinícius Gritzbach, empresário que atuava no setor de tecnologia financeira e que revelou detalhes do funcionamento das fintechs como instrumento de lavagem para o PCC. Gritzbach foi assassinado em novembro de 2024, em um estacionamento no Aeroporto de Guarulhos, enquanto colaborava com as autoridades. Seu depoimento serviu de base para a nova fase das investigações.
A PF estima que os recursos lavados tenham sido enviados para países como China, Panamá, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Holanda e Estados Unidos, configurando uma rede transnacional de movimentações financeiras. O material apreendido nesta fase da operação deve ser periciado nas próximas semanas, e novas prisões não estão descartadas.
O Ministério Público Eleitoral também acompanha o caso para avaliar se houve crime eleitoral na doação, o que pode levar à abertura de ação específica contra a campanha de Tarcísio, caso seja comprovado que houve uso de recursos ilícitos.