Ministro determina que ordens estrangeiras só tenham validade no Brasil após homologação do Supremo; medida é vista como defesa de Alexandre de Moraes contra sanções impostas por Trump
Por Sandra Venancio – Foto Lula Marques/Agencia Brasil
A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de obrigar bancos brasileiros a consultar a Corte antes de cumprir ordens de governos estrangeiros acendeu uma crise inédita no sistema financeiro. A medida, anunciada nesta segunda-feira (18), foi interpretada como uma reação direta às sanções da Lei Magnitsky, aplicada pelo governo dos Estados Unidos contra o ministro Alexandre de Moraes. Bancos classificaram a decisão como “impossível de aplicar” diante da dependência do sistema brasileiro de provedores norte-americanos.
A Lei Magnitsky, criada nos EUA para punir autoridades acusadas de corrupção e violações de direitos humanos, foi usada recentemente pelo presidente Donald Trump contra Moraes, agravando a tensão entre Brasília e Washington.
Nos bastidores, Dino e outros ministros do STF consideraram a medida norte-americana uma afronta direta à soberania brasileira. “Não somos teleguiados”, disse um magistrado, em referência ao que foi entendido como tentativa de Washington de enquadrar o Judiciário nacional.
Bancos brasileiros, porém, reagiram com ceticismo. Um diretor ouvido pelo jornal O Globo afirmou que ignorar a OFAC (Office of Foreign Assets Control), órgão do Tesouro dos EUA que administra as sanções, é inviável. “Não tem a menor possibilidade de um banco brasileiro ignorar a Lei Magnitsky”, declarou, lembrando que o sistema financeiro do país é totalmente integrado à infraestrutura internacional controlada por instituições norte-americanas.
A crise com os banqueiros
A irritação do STF cresceu após reuniões reservadas com representantes de grandes bancos. Os magistrados saíram convencidos de que o setor financeiro considera inevitável cumprir ordens de Washington, mesmo contra decisões do Supremo. O vazamento dos encontros ampliou a tensão.
Um ministro, em tom de desabafo, ironizou: “Acham que somos teleguiados e que não podemos reagir? Os americanos também não têm empresas no Brasil? Acham que elas estão imunes?”.
Retaliação em estudo
Fontes próximas ao Supremo afirmam que a decisão de Dino foi apenas o primeiro passo de uma estratégia mais ampla para enfrentar a pressão internacional. Entre as medidas discutidas está a possibilidade de bloquear ativos ou contas de empresas norte-americanas instaladas no Brasil — cenário extremo, mas já cogitado em conversas internas.
A sinalização é clara: o STF não pretende aceitar passivamente as sanções dos EUA. Caso o confronto continue escalando, ministros defendem uma resposta “proporcional e concreta”, mirando interesses estratégicos de multinacionais norte-americanas no país.
Impasse diplomático
Para especialistas em direito internacional, a disputa coloca o Brasil diante de um dilema: resistir às sanções em nome da soberania, arriscando retaliações econômicas, ou seguir a cartilha da OFAC e expor o Supremo a uma humilhação institucional.
Enquanto isso, bancos brasileiros vivem um impasse: entre obedecer a Washington para não perder acesso ao sistema financeiro global ou respeitar a ordem do STF e arriscar represálias internacionais.
Bastidores diplomáticos: Itamaraty e BC em campo para conter crise com os EUA
Nos corredores de Brasília, a decisão do ministro Flávio Dino já movimenta não apenas o STF, mas também o Itamaraty e o Banco Central (BC), que tentam evitar que o impasse jurídico se transforme em crise diplomática e financeira de grandes proporções.
Itamaraty em modo contenção
Fontes da diplomacia revelam que o Ministério das Relações Exteriores foi surpreendido pela decisão e agora atua em duas frentes:
- Acalmar Washington, enviando sinais de que o Brasil não pretende romper acordos internacionais de cooperação financeira.
- Blindar a imagem do STF, ressaltando que a medida é uma prerrogativa constitucional e não um gesto hostil direto ao governo norte-americano.
Segundo um embaixador ouvido em caráter reservado, a ordem de Dino “cria um desafio de comunicação”, pois pode ser interpretada nos EUA como uma afronta direta à Lei Magnitsky.
Banco Central em alerta
Já o Banco Central monitora os efeitos práticos da medida sobre o sistema financeiro. Técnicos avaliam se é possível conciliar a ordem do STF com as exigências da OFAC sem expor os bancos brasileiros ao risco de exclusão do sistema internacional de pagamentos.
Um diretor do BC admitiu que a posição dos bancos não é exagerada: “Se a OFAC corta o acesso, ficamos fora da engrenagem global. Isso paralisaria desde transações de exportação até investimentos no país”.
Pressão sobre o Planalto
No Palácio do Planalto, auxiliares do presidente Lula veem com preocupação o desgaste crescente entre o STF e o governo Trump. A avaliação é que o Brasil não pode abrir mão de sua soberania, mas tampouco pode se dar ao luxo de uma guerra econômica com os EUA em pleno cenário de fragilidade fiscal.
Nos bastidores, interlocutores de Lula tentam costurar uma saída diplomática que envolva diálogo direto com o Departamento do Tesouro para construir exceções ou “zonas de neutralidade” em relação ao Judiciário brasileiro.
Risco de escalada
Por enquanto, a ordem de Dino é vista como um recado político mais do que uma medida de efeito imediato. Mas se Washington endurecer o tom, o STF já acena com retaliações que podem atingir diretamente empresas norte-americanas instaladas no Brasil.
Um diplomata resume o impasse:
“O Supremo quis mostrar força, mas quem está no meio do fogo cruzado são os bancos e o governo. A questão agora é quem vai ceder primeiro: o Brasil, para não perder acesso ao sistema financeiro, ou os EUA, para não abrir um atrito desnecessário com um parceiro estratégico”