O jesuíta italiano Matteo Ricci (1552-1610) viajou à China em 1582. Após 14 anos no país, ensinou os chineses a construir um palácio da memória, que consistia em técnica de memorização aprimorada pelo italiano, mas desenvolvida pelos gregos e romanos antigos. Como jesuíta, Ricci objetivava a catequização dos não-cristãos, sobretudo nos recém-descobertos países fora da Europa. Assim, o desenvolvimento de técnicas mnemônicas dos chineses auxiliaria-os a melhor reter os ensinos cristãos que Ricci lhes transmitiria, facilitando seu trabalho de conversão. Segundo o jesuíta, o tamanho do palácio mental a ser construído dependeria da quantidade de informações que se quisesse recordar: quanto mais dimensões e edifícios o palácio tivesse, melhor seria. A pessoa não precisaria, necessariamente, construir seu palácio em escala grandiosa imediatamente. Os palácios podiam ser modestos e construídos em escalas menores, podendo ser constituído de somente um aposento com poucos cômodos. Toda essa construção se referia, na verdade, a estruturas mentais e não a objetos sólidos reais.
Desta forma, construía-se na mente uma sucessão de espaços “mentais” que relacionar-se-iam com as informações que se desejasse recordar. Não há indícios de que o sistema do jesuíta tenha sido utilizado em larga escala pelos chineses ou ainda reconhecido como o meio mais eficaz do desenvolvimento da memória. No atual contexto de acelerado aprimoramento de técnicas digitais, a única memória que se têm cultivado é a memória virtual, dos computadores, celulares, laptops, palmtops e demais aparelhos eletrônicos. Por isso, cabe a reflexão acerca das diferentes maneiras pelas quais podemos trabalhar e aprimorar nossa memória. Ricci queria descobrir um meio que suprisse as dificuldades de conversão de um povo com costumes, crenças e valores diferentes e, além do mais, distante das recém-inventadas máquinas de impressão de textos. Aos olhos contemporâneos, sua intenção não era nobre, no entanto, trocando as lentes com as quais observamos a história e nosso passado, é possível pensar que o sistema do jesuíta também pode contribuir para incentivar o desenvolvimento de técnicas alternativas de exercício da memória – como a construção de um palácio da memória – que independam de remédios ou ainda de recursos financeiros para serem utilizadas.
Cristiane Renata de Lima Prestes
Aluna do 4º ano do Curso de História da UNICAMP