“Dos porões da cadeia de Campinas, um grupo se mobilizou
Fundado lá em 24, o Candinho sim senhor
No tratamento da mente humana, muito se vivenciou
Sofrimento, tristeza e dor
Deus me livre, que horror!
E no Cândido Ferreira, a História se transformou
Portas foram abertas, o tratamento se humanizou”
(Bloco do Candinho, “80 Anos de transformação” – Letra: Régis Moreira)
Até 1924, os doentes mentais de todo o Estado de São Paulo eram recolhidos e tratados pelo Hospital do Juqueri (Franco Rocha). Porém, a capacidade era bem limitada e nem todos conseguiam uma vaga na Instituição. Estes, portanto, eram mantidos em casa ou relegados às ruas. No caso de doentes violentos e que não possuíam parentes próximos, eram recolhidos pelas cadeias públicas sem, contudo, assistência adequada: “Para darmos uma pequena idéia do quão grande é a necessidade de se construir o Hospício, basta dizer que existe atualmente na Cadeia Pública 11 dementes e que, nestes três últimos anos, lá faleceram 11 infelizes atacados das faculdades mentais” (“Hospício de Dementes”, Jornal Comércio de Campinas, 17/04/1921, grafia atualizada).
Diante deste quadro, os jornalistas correspondentes do “Estado de S. Paulo”, Leopoldo Amaral e José Villagelin Júnior, indignados, resolveram apelar à população. Segundo Zuleika Godoi Gomes – primeira bibliotecária da Biblioteca Distrital de Sousas e autora de Monografia Histórica sobre o Distrito – em 1918, Villagelin ouviu “gritos alucinantes que partiam das celas” enquanto estava na Delegacia de Polícia. Indagando o porquê do acontecido, foi informado de que os gritos proviam de dementes presos que aguardavam vagas do Hospital Juqueri. Divulgou seu manifesto através de um artigo no jornal, alertando sobre a necessidade da construção de um hospital do gênero no Município. Pouco tempo depois, receberam uma doação anônima de dois contos de réis para a construção do Hospital. A doadora, D. Sylvia Ferreira de Barros, atraiu a atenção de outros cidadãos preocupados com a exclusão dos doentes mentais da cidade. Foram realizados bailes e quermesses beneficentes a fim de arrecadar verba suficiente para a construção do Hospital.
Em 6 de julho de 1919, realizou-se a primeira Assembléia para a fundação da sociedade, discutindo-se sobre a compra de um terreno que estava sendo leiloado no Arraial dos Souzas – tratava-se de 25 alqueires de terra da Chácara Palmeiras que custaram 12 contos de réis. A primeira diretoria era constituída pelo Dr. José Ferreira de Camargo (presidente), Antonio B. de Castro Mendes (vice-presidente), Dr. Durval Fragoso Ferrão (secretário) e Alberto Vieira dos Santos (tesoureiro). Lançada a pedra fundamental em 27 de abril de 1921, apenas em 14 de abril de 1924 o “Hospício de Dementes dos pobres de Campinas” foi inaugurado, com presença e discurso do então Presidente do Estado de São Paulo, Washington Luiz. Segundo Godoi Gomes, a primeira internação foi de uma jovem chamada Rosa, em 1926.
O “Hospício de Dementes” teve seu título trocado devido à proibição do uso da palavra “hospício” para esse gênero de Instituição, e adotou o nome de “Sanatório Dr. Cândido Ferreira”, em homenagem ao primeiro médico do hospital e pai de D. Sylvia, o Dr. José Cândido Ferreira. A Instituição Filantrópica sobreviveu no começo de suas atividades através das doações, arrecadações de mensalidades dos sócios efetivos e pagamentos de diárias dos pacientes pensionistas. Em 1990, foi assinado o Convênio de Co-gestão com a Prefeitura de Campinas. Desde 1993, o Hospital é considerado referência para a Organização Mundial de Saúde em atendimento psiquiátrico no Brasil.
Recentemente, o CONDEPACC (Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas) tombou o prédio em que o Cândido Ferreira funciona. Contudo, mais do que a valorização pela importância histórica da sua parte física – composta por fachadas interiores e exteriores, que revelam os modelos estéticos arquitetônicos e mobiliários da época de sua criação – é necessário considerar a importância do Hospital no contexto de sua criação e atual manutenção. Frente a uma sociedade em que a cidadania se relaciona(va) à produção e em que as opções dos doentes mentais eram as ruas ou a reclusão em suas próprias casas ou cadeias públicas, o Cândido surgiu como opção e solução para tratamentos e cuidados adequados. Ademais, a partir de iniciativas de tratamento terapêutico – como a laborterapia, as oficinas de arte, o programa de rádio “Maluco Beleza” feito pelos próprios pacientes – que visam à re-inserção do paciente à sociedade e ao resgate de sua cidadania, o Hospital pode ser considerado uma motivação para repensarmos não somente o tratamento médico direcionado à “loucura”, mas também, e sobretudo, o relacionamento humano e os preconceitos acerca daquilo que desconhecemos.