Entre as várias espécies de hábitos, existe um, pouco percebido, que é o da mentira. O homem moderno mente demais, baseando-se na idéia errônea de que será bem sucedido. A maioria, acostumada a esse mau hábito, nem sequer toma consciência de que está mentindo. Quando isso ocorre com os meus subalternos, costumo chamar-lhes a atenção, mas muitos deles parecem ter perdido a noção da diferença entre a verdade e a mentira. Só percebemos haver mentido e pede desculpas depois de eu lhes ministrar uma lição bem clara a respeito. O hábito faz com que o povo moderno se perca incapaz de distinguir os limites entre a mentira e a verdade.
Deixarei de lado as mentiras inconseqüentes, que não merecem análise especial, para cuidar das maiores, mais graves, por serem conscientes e premeditadas. Entre elas, começaremos por analisar as mentiras proferidas pelos políticos. Estes, muitas vezes, são censurados por deixarem de cumprir as promessas de uma boa política e planejamento feitas durante pomposas propagandas eleitorais. Há também, muitos parlamentares que desprezam os compromissos assumidos com os seus eleitores, julgando essa atitude perfeitamente normal. Existem educadores cujos atos contradizem a grandeza de suas palavras, e são comuns os jornais publicarem artigos de caráter duvidosos. As propagandas exageradas não constituem exceção.
Os impostos representam o maior problema. É uma competição de mentiras, entre fiscais e contribuintes, de caráter sumamente complicado e desagradável. Há médicos que mentem, dando esperanças a pacientes incuráveis. Também desaprovo os bonzos que fazem uso freqüente das “mentiras de ocasião”. As conhecidas táticas empregadas pelos comerciantes são mentiras aceitas pelo público. Com estas variedades, embora resumidas, podemos afirmar que o mundo é um complexo de mentiras.
Talvez achem incrível o fato de um promotor mentir, mas isso acontece de vez em quando. A prova se evidencia no notável esforço que o Ministério Público vem empregando, baseado em suposições, para criar criminosos, desde a ocorrência de um caso até o julgamento final. Sempre que isso se repete, penso insistentemente no motivo de tanto interesse em culpar cidadãos inocentes. É realmente um enigma, para o qual não existe explicação. A profissão de promotor exige a condenação de um criminoso, mas a condenação de um inocente foge ao nosso raciocínio. É difícil saber prontamente se um suspeito é ou não responsável por um crime, mas creio ser possível distinguir o branco do preto, após uma breve investigação.
O desejo de mentir parte do pensamente otimista segundo o qual é impossível a mentira vir à luz. A teoria da inexistência de Deus favorece o argumento de que a mentira perfeita é sinal de inteligência – o que constitui um erro gravíssimo, a existência de Deus é uma realidade, e a mentira, mesmo bem pregada, é passageira, estando sempre sujeita a ser descoberta. Isso acarreta um grande prejuízo a quem mente, porque, contrariando seu objetivo primordial, a pessoa se expõe à vergonha de ter o seu crédito destruído e ser-lhe imposto um castigo. O mentiroso pensa que Deus não existe, simplesmente porque Ele é invisível. Neste ponto, iguala-se aos selvagens, que não acreditam a existência do ar porque não o vêem. Pobre homem civilizado, completamente mergulhado no hábito da mentira.
O hábito da mentira
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