Eduardo de Almeida Carneiro*
Entidades de assistência médico-hospitalar do Terceiro Setor demandam mais apoio
A precariedade do sistema médico-hospitalar no setor público constitui-se em um dos mais graves problemas sociais do Brasil, onde doenças típicas do Terceiro Mundo e a ausência de atendimento de qualidade resultam em seqüelas irreversíveis e na morte de milhares de pessoas por ano. A maioria da população — cerca de 150 milhões de brasileiros — é assistida por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição de 1988, que fará 18 anos em 5 de outubro próximo, e regulamentado em 1990, mas até hoje inadequado. Apenas cerca de 40 milhões de habitantes, o equivalente a 21% do total, têm acesso à medicina privada, principalmente por meio do seguro-saúde.
Além da questão humanitária e do descumprimento de uma responsabilidade constitucional do Estado, a debilidade do SUS provoca sérios problemas para a economia: é de R$ 420 milhões anuais o prejuízo provocado pelo tempo de trabalho perdido pelos pacientes nas filas das unidades de atendimento. É o que demonstra estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Os 5.864 hospitais e as clínicas do sistema atendem 11,6 milhões de usuários por dia, incluindo consultas, exames e internações. Entretanto, a espera média nas filas é de quatro dias e 12 horas. Seu custo para a Nação é de 29 a 58 reais por paciente, variando conforme a idade e a renda.
Nesse contexto, não é difícil entender o significado das ações do Terceiro Setor na área da saúde, considerando que a participação da iniciativa privada para mitigar os problemas sociais torna-se cada vez mais essencial. Felizmente, os números evidenciam o avanço da responsabilidade social e da cidadania empresarial. Dados que acabam de ser divulgados pelo Programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV), em parceria com The Johns Hopkins Center for Civil Society Studies, instituição norte-americana que estuda as organizações sem fins lucrativos, revelam crescimento de 71% do Terceiro Setor no Brasil, entre 1995 e 2002. O número de instituições passou de 190 mil para 326 mil.
Estudo do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), entidade que congrega organismos privados com atuação na promoção do bem comum, demonstra que 462 mil empresas brasileiras (59% do total nacional) declaram realizar, em caráter voluntário, algum tipo de ação para a comunidade. Dois terços afirmam que a prática social é habitual. Essas empresas investem cerca de R$ 5 bilhões/ano em programas do Terceiro Setor.
No entanto, é curioso observar que os projetos na área da saúde incluem-se entre os que, proporcionalmente, recebem menor atenção: 54% das empresas que declaram aplicar recursos investem em ações de assistência social; 41% contemplam alimentação e abastecimento; 19%, educação e alfabetização; 19%, desenvolvimento comunitário e mobilização social. Apenas 17% informam investir na saúde, que empata com esportes e fica à frente apenas da cultura, com 14%. Importante: há organizações que atuam em mais de um segmento.
Para os gestores de organizações médico-hospitalares não-governamentais, é nítido o sentimento de que há no País uma interpretação equivocada da realidade dessas entidades. Parece haver um consenso de que instituições bem geridas, com visibilidade na mídia, instalações e tecnologia de bom nível e fontes permanentes de receita não precisam do apoio da sociedade e do universo empresarial. Por conta dessa distorção de imagem, certamente ligada a um fenômeno de comunicação e jamais à má vontade da comunidade, várias organizações enfrentam problemas para atender à demanda de pacientes. Assim, além da mobilização cívica no sentido de que o Estado cumpra seu dever constitucional, é importante ampliar o apoio da iniciativa privada às organizações do Terceiro Setor que atuam na saúde.
*Eduardo de Almeida Carneiro, empresário, é o presidente voluntário da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente).